HAI-KAIS e uma trova
HAI-KAIS IRREVERENTES
Não tenho do verso a ciência,
Mas gosto de pôr à prova
Minha própria incompetência.
O meu ser é carcomido
De tanto ser e não ser
Na dor de nunca ter sido.
O sentido da vida consiste
Em procurar para ela
Um sentido que inexiste.
A pedra cai na água fria,
E as ondas que faz se espalham
Na minha mente vazia.
Eis um poeta da gema:
O vento que agita as ramas
Segreda um longo poema.
Minha crença é esta, em suma:
Deus, antes de criar tudo,
Não tinha idade nenhuma.
Eis a implicação dos ateus:
Se Deus fez tudo do nada,
O nada é a essência de Deus.
Algodão entre cristais,
A minha vida parada
Passa depressa demais.
Nascer, morrer – ida e chegada...
O homem é uma frágil ponte
Ligando um nada a outro nada.
A saudade aprisionada:
Na caixa, a trança e uma foto
De uma filha assassinada.
Tem dois lados toda fama:
O sopro que aviva a brasa
Apaga também a chama.
O que mais dói no meu ser:
As coisas que não fiz bem
E as que não pude fazer.
Ir ao topo é uma ambição.
Quanto mais alto subimos,
Melhor é a nossa visão.
Minha angústia é exemplar:
Eu me perdi de mim mesmo,
Quando tentei me encontrar.
E “depois deste desterro”
Talvez eu faça por onde
Não ir ao meu próprio enterro.
Não sou bom, não sou mau. Eu sou assim:
Perdi a infância e a adolescência, e tanto
Que me tornei o que sobrou de mim.
Ideal que me proponho:
Sonhar a vida que levo,
Levando a vida que eu sonho.
Nascer, viver, morrer... a vida é assim.
Quando se morre, a morte é para sempre,
E nada recomeça após o fim.
Pus no atril a partitura
E executei sem compassos
Os dós da minha amargura.
A criança que há em mim desponta
E eu invento a minha vida
Num mundo do faz de conta.
Tenho horror a políticos, confesso.
Estou cansado de pagar impostos
Pra sustentar pilantras do Congresso.
Perdão a mim mesmo rogo:
Matei em mim a criança
Na ânsia de crescer logo.
Perdoe-me se sou assim,
Mas eu me tornei o resto
Do que soçobrou de mim.
Se Deus é onipresente, além de eterno,
E se o inferno é algum lugar que existe,
Deus certamente está também no inferno.
O mundo que eu sonho rui,
E resta só a saudade
Daquilo que eu nunca fui.
Criado o mundo, Deus, com a alma cansada,
Quis descansar, espreguiçou, dormiu,
E desde então não quis fazer mais nada.
Cansado de não ter uma plateia
Deus fez o homem pra ser adorado
E ainda não viu burrice nessa ideia.
Eu da vida nada espero.
Na escala de zero a dez,
Fiquei abaixo do zero.
O poeta é um pioneiro
Que banca o artista de um circo
Sem lona e sem picadeiro.
A cada quem sua ambição.
É o tamanho da fome
Que mede o valor do pão.
Cansado de tanta lida,
Na inconsciência do sonho,
Psicografei minha vida.
Vida após morte – inverdade
Que o homem inventou pensando
Que inventava a eternidade.
Não sei onde nós nos pomos,
Mas sei que, depois da morte,
Nada sobra do que fomos.
Se Deus pode tudo, então,
Por que não vence o demônio
E põe fim à tentação?
Nada é questão de bobagem
Pois basta um cisco no olho
Pra esconder a paisagem.
Um azar que sempre sofri:
Se há tanto lugar no mundo,
Por que nasci logo aqui?
O perdão e a bondade não têm hora.
Quem fez mal um dia ao semelhante
Jogou um pouco de sua vida fora.
Perdido de mim, a esmo,
Descubro, a me procurar,
Que sou clone de mim mesmo.
Não sei se viver consigo:
Já não posso ser quem sou,
Nem posso estar mais comigo.
Isto é tudo que ainda sei:
Eu já fugi de mim mesmo
Mas nunca mais me encontrei.
É inútil toda oração:
A fé não move montanhas
Nem cura o câncer do irmão.
Da base se avista o cume,
Mas ver não é chegar lá
Nem ser flor é ter perfume.
Eu sou um caso perdido:
Quis ser o que nunca fui
Na dor de nunca ter sido.
A vida é a grande mentira,
Um pesadelo que a morte
Um dia qualquer nos tira
Je ne peux pas nier, pensant à ton jeune âge,
Que je voudrais, ma belle, un jour être enterré,
Dans les fossettes soeurs qui creusent ton visage...
Trova:
O político é o sem-noção
Que desonra o próprio nome
E chega a roubar o pão
Da boca de quem tem fome.