Só temos o hoje

     O plano de última hora mostrou-se mais promissor que aquele tão sonhado. A entrega deu-se por inteiro. Entre uma trama e outra, uma ponte a construir.

     Aline partiria de qualquer forma, por maior que tivesse sido o esforço para inseri-la no contexto. Via Andréa, Júlia, Rodrigo, Van, Cris, Guilherme. Não era uma decisão das mais simples, mas bastava um tropeço para colocar tudo a perder.

     Aline nos conquistou com seu carisma inigualável, seu jeitinho sonhador de enxergar a vida, de reagir diante das adversidades, tornando-se não apenas melhor amiga de Tita e Adolfo, mas de todos os leitores. E minha também.

     O sol nem havia se posto e aquela despedida foi publicada, havia ainda a sequência dolorida, escrita num rompante, mal digerida. Precisava de ar, de coragem, de um tempo. Pedalei um pouco, desliguei o laptop, fiz uma refeição, depois voltei ao site, abri o documento e enquanto nenhuma daquelas leitoras fieis se manifestava, decidi ler tudo.

     Os olhos foram ficando úmidos, a dor na alma não era força de expressão, debruçada na bancada de madeira que me servia de rack/escrivaninha/penteadeira, chorei... sim, chorei por uma personagem de uma história que eu mesma criei. Chorei porque pude me colocar no lugar da Tita e imaginar o mundo sem a melhor amiga, oprimida pelas valentonas, pela mãe tóxica, sem a presença do pai, sem ninguém para ampará-la.

     "Você sentiria minha falta?"

     Dez anos passaram-se desde aquela quarta-feira de noite, escrevi outra versão tão dramática quanto a original, no entanto, o nó na garganta é o mesmo, afinal de contas, todos nós perdemos ou iremos perder uma Aline na vida ou seremos a Aline que irá embora da vida de alguém.

     Ao longo dessa década em que a história de Tita foi exibida em tantas plataformas e alcançou um número expressivo de pessoas, alguém já pôs-se a imaginar ou pelo menos conjecturar como teria sido a vida de Tita se Aline não tivesse partido?

     Se alguém porventura quiser compartilhar suas impressões, as portas do meu coração estão abertas, podemos trocar altas ideias porque tendo Aline partido (ou não) dez anos atrás, ela não foi esquecida no capítulo seguinte, sequer substituída, até compará-la com as amigas que Tita cativou depois seria uma injustiça sem precedentes.

     Aline cumpriu sua missão enquanto personagem porque mesmo após a sua morte, seguiu ensinando valiosas lições àqueles que ficaram e também alertando aos leitores sobre a importância de demonstrarmos nosso amor pelas pessoas que nos cercam antes que seja tarde demais. Se for clichê, é o de hoje. Só temos o hoje.

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 11/01/2022
Código do texto: T7427403
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