Opinião丨”Digam ao povo que fico [com os fascistas!]”

O processo de Independência, assim como outros capítulos da história do Brasil, é fonte infindável de alimento para os desconstrutivistas

Há exatos 200 anos, no dia 9 de janeiro de 1822, D. Pedro I, o então Príncipe-Regente, decide, para “o bem de todos e felicidade geral da Nação”, ficar no Brasil. Era uma reação às Cortes de Lisboa que, receosas — e prevendo — uma separação definitiva do Brasil, exigiam a presença do Príncipe em Portugal. D. Pedro nega-se a partir. A decisão do herdeiro dos Bragança atendia aos interesses da elite brasileira que, depois de experimentar as benesses que o status de Reino Unido com Portugal lhe conferia, sentia a urgência de defender a conjuntura política legada por D. João VI.

Colocado nestes termos, no entanto, embora não integralmente incorretos, o quadro histórico bicentenário soa não mais do que uma disputa pelo poder entre duas forças antagônicas. A realidade, porém, é mais complexa do que a narrativa dos professores marxistas pode abranger. Dizer que o episódio do Dia do Fico e o consequente grito da Independência, nove meses depois, fora mais um dos exemplos da velha luta de classes é um desleixo com a própria percepção da realidade. Havia o povo, havia a Igreja, havia — muito para além dos injustamente atacados interesses econômicos — uma verdadeira plêiade de demandas populares cujo propósito maior era fazer o Brasil.

O processo de Independência que começara em janeiro, com o fico de D. Pedro, e que culminaria com o brado do Príncipe-Regente às margens do riacho do Ipiranga, teve, naturalmente, a atuação dos seus agentes históricos principais: a Igreja e a Maçonaria. Ao povo, que já se habituara a esperar dos seus líderes políticos todas as respostas para os problemas da vida, coube testemunhar as primeiras consequências da decisão do Príncipe-Regente. A maior de todas, como sabemos, não tardou, levou o tempo de uma gestação: de janeiro a setembro de 1822.

Mas e o povo? Depois de pelo menos um século e meio de impregnação ideológica na narrativa histórica — e, principalmente, depois da completa tomada dos campus universitários, das redações de jornais e dos veículos de cultura geral pela mentalidade revolucionária — é bastante evidente que a interpretação dos fatos históricos tivesse de sofrer uma significativa perda qualitativa. O povo brasileiro fez o que é natural a qualquer povo de qualquer época na História: aliou-se à elite. Sim, porque ela, como é esperado em situações normais — nas quais as demandas da sociedade não implicam numa quebra da ordem estabelecida, como é observado nas revoluções — tomou a dianteira da defesa dos interesses do Brasil.

Antes que algum jovem universitário que ainda não tenha dominado as regras de acentuação da crase mas que se arrogue o direito de palpitar sobre a plêiade dos assuntos universais — tais como os projetos de sociedade perfeita — acuse o autor deste artigo de ser “elitista”, “exclusivista”, “preconceituoso”, “nacionalista” e — o melhor — “fascista”, é necessário explicar a acepção do termo “elite” aqui empregado. Objetivamente, a Elite é o que há de melhor na sociedade; são os mais capazes nas mais diversas áreas de atuação que, somados, perfazem um corpo robusto, a classe dos dirigentes sem a qual a sociedade perde-se nos devaneios de um igualitarismo incoerente.

Basta observar o vigor intelectual de José Bonifácio, o Patriarca da Independência, ou o cultivo da alta cultura celebrado pelos estadistas do Império, para perceber que a Elite que fizera o Brasil atendia às demandas da busca pelo bem comum. Numa sociedade na qual os seus elementos constituintes — nominalmente os políticos, os intelectuais e o povo — não coexistem num ambiente harmônico, a coesão fatalmente torna-se impossível; o estado de revolução assume a dianteira do fracasso. Ora, os homens que fizeram o Brasil doaram-se à construção daquele “Império miscigenado” que agora, passados dois séculos, jaz sob o poder daqueles mesmos revolucionários que, contrariados minimamente, rotulam os seus desafetos de “fascistas”.

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Fontes: de Carvalho, Olavo, O futuro do pensamento brasileiro — Estudos sobre o nosso lugar no mundo — Vide Editorial Editora, 4ª edição, Campinas, SP, 2016; de Carvalho, Olavo, A Nova Era e a Revolução Cultural, Vide Editorial Editora, 4ª edição, Campinas, SP, 2014; de Oliveira Lima, Manuel, Formação histórica da nacionalidade brasileira, Folha de S. Paulo Editora, São Paulo, SP, 2000; Gomes, Laurentino, 1822, Nova Fronteira Editora, Rio de Janeiro, RJ, 2010.

"Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou pronto. Digam ao povo que fico!" -- D. Pedro I