Desenvolvendo a Positividade

Já tive, em algumas ocasiões, a oportunidade de mencionar por aqui que estudo Psicologia. Então, no penúltimo artigo do ano, quero trazer um de seus conceitos para que possamos todos refletir e começar o novo ano que por aí vem de uma forma mais consciente, sobre nós e sobre aqueles que nos cercam. Quero convidá-los a serem mais positivos!

Dentro da Psicologia há diferentes abordagens, como a Psicanálise ou a Gestalt-terapia (aliás você pode aprender sobre esses temas procurando por Insight Psicologias lá no Google Podcasts). Essas abordagens servem de base teórica para a atuação do psicólogo, norteiam a sua maneira de abordar aqueles que chegam até ele à procura de algum alívio ou orientação. Mas além das abordagens há um movimento que tem ganhado notoriedade nos últimos anos, um movimento que surgiu criticando a ênfase dada aos aspectos negativos da existência humana, como ansiedades e depressão, e apregoando que seria mais eficaz se prestássemos atenção aos aspectos positivos, tais como felicidade e resiliência. Trata-se da Psicologia Positiva!

Eu poderia escrever parágrafos e mais parágrafos sobre o assunto e ainda assim não o esgotaria. A Psicologia Positiva, fundamentada no rigor da metodologia científica, procura explicar e promover a felicidade, o otimismo, a esperança, enfim, aqueles valores vistos como qualidades. De fato, esses conceitos nos quais a Psicologia Positiva se concentra podem nos garantir uma vida mais leve, mais branda, uma vida de maiores realizações e aprendizados. Contudo, quero levá-lo a pensar sobre um dos mais importantes pontos: a gratidão.

Você é grato? Você é realmente agradecido por aquilo que há na sua vida? Pelas pessoas que importam no seu caminho? Pelas experiências que despertam em seu ser aquela vontade por viver sempre mais? Você valoriza essas coisas ou as deixa passar sem que sejam apreciadas? Ou, pior, as minimiza diante de desafios que não gostaria de ter que enfrentar?

Somos, biologicamente falando, “programados” para nos atermos ao que de ruim possa nos suceder. Afinal, nos primórdios da nossa espécie, estávamos ameaçados a todo instante por diferentes causas: animais perigosos, lugares sombrios, semelhantes impiedosos. Então vivíamos em alerta constante, tudo pela sobrevivência. Herdamos isso de nossos antepassados. Então não se culpe por ser um “ingrato” e, por causa de apenas uma coisa desagradável, desconsiderar todas as outras agradáveis que lhe foram oferecidas. A gente tem essa tendência.

O problema é que esse comportamento nos torna em pessoas mais negativas, no sentido de não contemplarmos ativamente algo bom nas pessoas e no mundo. A gente vai ficando mais depressivo, mais ansioso, mais inquieto, mais descrente em relação ao que poderemos viver. A gente vai tirando conclusões antes mesmo de viver aquilo que estava programado. Pensamos que o dia acabou antes mesmo de ter começado, só porque o relógio não despertou. Ou então jogamos fora um dia de realizações porque ao final dele, enquanto esperávamos pelo ônibus, um carro apressado passou por cima de uma poça d’água e nos encharcou. E então consideramos que estamos fadados ao azar. Que tudo é bom demais para ser verdade. Que não podemos relaxar por nenhum minutinho porque a qualquer instante o pior vai acontecer. Entende como negativamos a nossa vida?

A proposta é que você todos os dias, ao final dos seus dias, pare e pense: pelo que eu posso ser grato hoje? O que fez o dia valer a pena? O que me fez aprender um pouco mais? O que me tocou de uma maneira especial? O que foi único para mim? Perceba que para essas respostas você só depende da sua própria experiência. Não importa se o sorriso que você recebeu de uma criança seja especial para você, mas seja algo desinteressante para o outro. Aqui importa apenas o que você sente.

Em alguns dias você fará uma lista de coisas pelas quais poderia ser grato. Ficaria até impressionado por ter tido a sorte de tantas experiências. Contudo, em outros... Em outros dias você passará bons minutos tentar encontrar apenas uma coisa pela qual agradecer. Porque a vida é assim. Alguns dias são melhores do que outros, de maneira que não existem dias piores, apenas um melhor que o outro. Alguns dias serão mais fáceis, mais tranquilos, em outros dias teremos menos facilidade ou não ficaremos tão tranquilos, mas ainda assim haverá algo pelo qual poderemos agradecer. Esse é um exercício. Pensar nas coisas ruins é algo praticamente automático, fomos “programados” para isso. A questão é que podemos quebrar essa programação e buscarmos ativamente pela positividade que tanto queremos para as nossas vidas.

Quando exercemos a gratidão todos os dias, quando assumimos o compromisso de buscarmos por coisas agradáveis pelas quais agradecer, então percebemos que apesar das tristes experiências, das situações não tão agradáveis, sempre haverá algo de proveitoso que “salvará” o nosso dia. Nem que seja uma lição que obtivemos a partir de algo perturbador. O que não dá é para ficarmos pensando que a vida será um grande sonho florido, porque não vai. Mas os efeitos que a vida terá sobre nós, sobre o nosso íntimo, em relação a isso nós podemos ter algum controle. Basta procurarmos por ele ativamente. E quando nos tornamos mais gratos, quando vemos que coisas boas acontecem, enfrentamos as dificuldades com maior serenidade, sem afobação ou derrotismo, tendo a certeza de que apesar da turbulência, sempre haverá uma nova bonança. Assim nos livramos de ansiedades e depressões, passamos pela vida com maior prazer e leveza.

Mas a partir desse discurso não quero, de forma alguma, relativizar as coisas. Muitos de nós, nesse exato momento, estão se sentindo sufocados por uma escuridão que os impede de visualizar o futuro. Outros estão se sentindo esmagados por expectativas pesadas demais para a força de seus braços. Então essas pessoas podem ser culpadas por não desenvolverem um olhar positivo perante a vida? Claro que não. Essas pessoas primeiro precisam encontrar um alívio, uma ajuda que as faça se libertar de tais opressões para, então, uma vez superados os desafios, a partir da força que descobriram possuir, desenvolver uma positividade diante da vida.

E quanto aquelas que vivem em condições deploráveis? Que precisam cometer atos que vão contra a dignidade humana, como vasculhar o lixo em busca de um pedaço de pão envelhecido, para sobreviver? Como podemos cobrar delas um olhar positivo diante da vida? Uma triste constatação que fiz recentemente: mais de onze milhões de brasileiros são analfabetos. Como cobrar dessas pessoas uma resiliência, um otimismo, uma positividade? Se para quem possui pós-doutorado a situação é complicada, imagine para quem muitas vezes não consegue escrever o próprio nome? Como essas pessoas fazem para sobreviver?

Desde que estou na escola, há quase vinte anos, ouço dizer que a solução para os problemas do Brasil, tais como desigualdade social e preconceito, é a educação. Há vinte anos se fala disso. E há vinte anos a educação é uma das áreas que menos investimentos recebe, prova disso é o número desanimador de pessoas que não foram devidamente alfabetizadas. Por que não foram? Será que não quiseram ir à escola ou será que tiveram seu direito ao ensino, assegurado pela Constituição, negado? Sabe porque uma solução apresentada há mais de vinte anos não tem sido efetivamente aplicada? Porque não querem resolver os problemas do nosso país. São exatamente os problemas desse país que sustentam os caprichos de uma elite pequena, de fato minúscula em número, mas extremamente gananciosa em seu íntimo.

Então desenvolver um olhar mais positivo diante da vida pode ser mais fácil para alguns de nós, mais difícil para outros, mas completamente impossível para um grupo invisibilizado. Nesse final de ano retomo o que disse no começo do texto, que possamos nos tornar mais conscientes sobre nós e sobre os outros: que reconheçamos nossos privilégios e sejamos gratos por isso, mas que também reconheçamos a falta de oportunidades que assola muitos de nossos semelhantes e os lança numa situação de completo desamparo. Mas que não fiquemos apenas na reflexão. Que partamos para a ação!

(Texto de @Amilton.Jnior)