Afastei-me de meu umbigo
Passeando pela cidade um moço me pediu 50 centavos , eu o olhei nos olhos e dei 2 reais
Quando estendi as mãos , recebi um sorriso cariado de submissão
Ele me reconheceu , eu o reconheci .
Olá Professor Almir , olá José
Foi meu aluno da EJA há alguns anos , cumprindo medida socioeducativa
Era modesto e quando conversava mantinha a cabeça baixa e voz num sussurro
Tinha 20 anos agora
E quase analfabeto
Quase Menino
Quase Homem
Quase gente
Quasímodo
Eu e ele havíamos mudado o mesmo rio de tempo
Havia nos banhado , nos envolvido , transformados
E ao nosso redor todos dormiam o sono de Caim
E neste momento os espinhos devoravam as rosas do jardim
Nenhum solo de Direstraits ou Coltraine
Nenhuma rima de Facção Central ou Racionais nem Crioulo
Nada serviria de solo ou rima naquela hora , puro desencanto
Não era a Pedra de Drummond
Não era o Bicho de Manuel Bandeira
Era José , meu estimado aluno José
Na esquina paranóia delirante
Loucura , na pane
Era a miséria , tremulando sua bandeira
Me dando um soco na barriga
Falava em meu ouvido
Falava Bem comigo
Me afastando de meu umbigo .
E agora José ?! ( ALMIR PRADO)