Afastei-me de meu umbigo

Passeando pela cidade um moço me pediu 50 centavos , eu o olhei nos olhos e dei 2 reais

Quando estendi as mãos , recebi um sorriso cariado de submissão

Ele me reconheceu , eu o reconheci .

Olá Professor Almir , olá José

Foi meu aluno da EJA há alguns anos , cumprindo medida socioeducativa

Era modesto e quando conversava mantinha a cabeça baixa e voz num sussurro

Tinha 20 anos agora

E quase analfabeto

Quase Menino

Quase Homem

Quase gente

Quasímodo

Eu e ele havíamos mudado o mesmo rio de tempo

Havia nos banhado , nos envolvido , transformados

E ao nosso redor todos dormiam o sono de Caim

E neste momento os espinhos devoravam as rosas do jardim

Nenhum solo de Direstraits ou Coltraine

Nenhuma rima de Facção Central ou Racionais nem Crioulo

Nada serviria de solo ou rima naquela hora , puro desencanto

Não era a Pedra de Drummond

Não era o Bicho de Manuel Bandeira

Era José , meu estimado aluno José

Na esquina paranóia delirante

Loucura , na pane

Era a miséria , tremulando sua bandeira

Me dando um soco na barriga

Falava em meu ouvido

Falava Bem comigo

Me afastando de meu umbigo .

E agora José ?! ( ALMIR PRADO)

Almir Prado
Enviado por Almir Prado em 27/12/2021
Código do texto: T7416222
Classificação de conteúdo: seguro