Reflexões de uma vida
Fiquei solteira e livre de compromissos, firmes ou frívolos, por quatro anos. Entre 2012 e 2016, permaneci sem nada, nem um beijinho na mão. Às vezes, fazia falta, outras não. Jantares sozinha, encontros com amigos, idas à igreja. Preferia algo que merecesse o valor que dou, a passar na mão de um e de outro, apenas por diversão. Na verdade, nada contra. Sou a favor de todas as formas de felicidade. Melhor isso que viver em depressão. Mas eu vivia bem daquela forma: cuidando de mim, corpo, mente, coração. Editando meus livros, dois publicados, dois, até hoje ainda não.
Até que, depois de tanto tempo solteira, surgiu uma pessoa. Alguém que fez de tudo para me conquistar a todo custo e cujo empenho chamou-me atenção. Sempre fui desconfiada e nunca quis me envolver com ninguém do trabalho. Tanto, que o assédio natural, num meio com tantos homens, certo momento até me incomodou. Mas a atenção que recebi desse, não. Parecia diferente. Surgiu durante a divulgação e lançamento de um dos meus livros e ele realmente parecia gente e ter caráter. A princípio, parecia e até foi tudo de bom, sim.
Tivemos um relacionamento. Maduro, ao mesmo tempo, adolescente, cheio de ternura carinho, atenção, consideração. Só havia uma questão, a meu ver, não um problema, mas acabou se tornando e não culpo a ele nem a mim. Era apenas papo de visão: Eu queria meu lar, meu casamento, minha família e nunca, jamais escondi dele minha convicção. Fui apresentada à família após uns dois meses de relação. Apresentei-o à minha também. O cara era um verdadeiro amor. Todos os que o viam se apaixonavam. Cavalheiro, extremamente educado, não tinha como não gostar dele, não.
Um ano e meio de relação depois, a coisa começou a me incomodar. Uma voz disse ao meu ouvido: “A hora de deixá-lo é agora. Esse cara vai te trocar”. Respondi que ele até poderia fazer isso – como, de fato, fez – mas eu jamais teria coragem de abandonar. O moço trazia consigo um “trauma”. Uma história de vida na qual não vou adentrar para sua privacidade respeitar. Só dá para dizer que a pessoa fora traída e teve a mente aprisionada com isso. Jamais conseguiu superar e acabou se tornou frágil, vulnerável, totalmente manipulável nas mãos de uma qualquer. Meu maior medo era o que eu evitava e, por mais que eu tenha tentado, não deixou de acontecer: que ele caísse nas mãos de ordinárias que se aproveitassem daquele que, apesar de tudo, era um dos maiores corações que já conheci nessa vida.
Em 2017, pedi uma aliança. Ele prometeu atender meu desejo até meados de setembro. No tempo determinado, adivinhe o que ele comprou: uma nova mesa de pingue-pongue para a chácara que administrava. Senti desdém no ato. Tentei ir embora, mas ele mesmo não deixou. Disse que não queria desistir de mim, mas não tinha o objetivo de realizar meu sonho. Sou culpada. Permiti, mesmo tendo sido advertida. Nosso relacionamento era o melhor do mundo, sem exageros: mesmos gostos, nos entendíamos com o olhar, éramos sofisticadamente simples juntos e todos os que nos viam notavam, sendo como uma candeia acesa, a qual é impossível ocultar.
Mas uma pessoa emocionalmente incurada deixa rastros também difíceis de desvanecer. Sempre prezei pela paz. Nunca fui descontrolada. Mesmo quando aquela voz falava ao meu ouvido: “Fala para ele tomar cuidado com mensagens ao celular”, eu apenas o alertava com tranquilidade, nunca me permiti perder o controle. Como falei, a paz é o meu lugar.
Morávamos em apartamentos diferentes de um mesmo condomínio. Passado um tempo, voltamos de um jantar na casa de seus pais, ele sob efeito de uma garrafa de vinho daqueles com sabor abacaxi que embebedam sem perceber. Fiquei preocupada com o rapaz e, então, enviei mensagem para que ele viesse ao meu apartamento jantar e não dormir tendo no estõmago apenas o vinho. A ausência de respostas me preocupou: teria desmaiado, caído, algo ruim aconteceu? Horas depois, na tentativa de contato e sem sucesso, enviei mensagem e qual foi a minha surpresa? Chegou até mim, enviada por engano, uma mensagem escrita por ele: “Tão bom poder conversar sobre tudo com você. Te amo, Vivi”. Em seguida, um enorme coração. O moço com quem estava eu preocupada pegou o carro, ainda sob efeito de álcool, e foi até o aeroporto da cidade encontrar a amante com quem teve um caso quando ainda era casado.
Depois de todo o caos da situação, que nem preciso relatar, terminei a relação. Mas quem disse que ele me deixou? Implorou, chorou, se explicou. Depois de ver tanta determinação em não me perder e sentir um nicho de sinceridade, resolvi dar outra chance. Mas a confiança jamais volta para o mesmo lugar. Aventureiras há muitas. No entanto, sempre tive como lema que uma pessoa de confiança jamais vai dar lugar.
Mais um tempo passou. Compramos juntos um apartamento. Na verdade, eu escolhi o lugar e a decoração. Ele pagou. Como toda mulher, e mediante meus planos de casamento que sempre deixei claros, coloquei ali todo o meu amor. Não se tratava de um bloco de tijolos e concreto ou de um conjunto de sofás. Tinha empenho, emoção, energia, obstinação. Só que eu não sabia, ou fingi não perceber, a real intenção daquele jovem: Ir embora. Sem mim.
Quando a partida dele se efetivou, meu vazio era de um bicho de estimação cujo dono deixara para trás na mudança. Cheguei a pedir um espaço no guarda-roupas dele e, acredite, a voz disse novamente no meu ouvido: “Por que você está implorando por uma migalha assim, quando te prometi algo tão maior?”. De fato, nossa relação ainda suportou a distância algum tempo. Mas fui me cansando. Ver um cara de 50 anos saindo do trabalho após uma jornada cansativa, indo até mim para jantar e fazer sala para, só após, seguir rumo de casa, me fez sentir uma garota de 17 anos que ainda mora com os pais.
Decidi colocar um fim na situação. Na verdade, não era o que eu queria. Mas não havendo reação nem boa vontade da parte daquele que eu tanto considerava, não tive opção. Ele, então, chegou até mim e disse que precisava de “um tempo para se encontrar”. Lembro-me bem daquele período, da insegurança que eu sentia e da imensa dor. Não à toa, dizem que o fim de um relacionamento, dependendo do valor que tem, resulta em dor semelhante à da morte.
Passados pouco mais de quinze dias, uma cunhada do rapaz me ligou para dizer – com todo o prazer que pude sentir nela - que ele havia aparecido com uma “mocinha” de vestes duvidosas na casa dos pais. E acrescentou: “Ela disse aqui que preparou um caldo para ele”. Caiu como uma bomba no meu colo a constatação de que aquela desconhecida, que eu soube depois tratar-se de uma qualquer que ele abordou em um shopping quando ainda namorávamos, teve a liberdade para tocar no meu jogo de panelas. E, acredite, foi ainda pior do que perceber o que na cama rolou. Foi a maior dor que eu já tinha imaginado sentir nesta vida. Isso porque eu adoro cozinhar e foi por meio da comida, preparando jantares, que eu o ajudei a superar uma depressão profunda assim que nos conhecemos. A decepção foi tão grande, que fiquei acamada. Pode me criticar, pode me condenar, dizer: “Ah, pelo amor de Deus, tenha amor próprio. Esse cara não te merece nem na sombra”. E hoje, depois de analisar com frieza e principalmente agora, revivendo tudo ao escrever esse texto, eu dou toda a razão a quem quiser me detonar. Que idiota, eu sou. E mea culpa é afirmar que são coisas da vida, do amor, do investimento que a gente faz em alguém na busca por anular tudo o que todos afirmavam em contrário.Quantas vezes eu ouvi: “Cuidado com fulano, ele não é quem aparenta ser”. Ao que eu sempre respondia: “Não. Eu acredito nele. Ele tem postura, é um homem de caráter e sabe o que é a dor da traição”.
Passado um tempo, o moço voltou a me procurar. Pediu perdão, disse que tivera um ano cheio de escolhas ruins e me pediu para voltar. Nesse ínterim, uma crise de ansiedade aguda o atacava sempre à noite, dando-lhe ânsias de não mais acordar. A boba aqui, é claro, deu guarida. Cuidou, amparou, deixou em alerta o porteiro do prédio para socorrê-lo em eventuais necessidades. Eu disse, no entanto, que estava tudo bem em voltarmos, mas que eu não abriria mão do meu ideal de relação e o que, para muitos, é bobagem. Eu queria casar. É bíblico, é ordenança, e eu vivo sob celestial orientação.
Compramos, então, as alianças pouco depois. As mais lindas e dos meus sonhos, fiquei tão feliz. Mas ao chegarem, adivinhem o que aconteceu. O rapaz chegou até mim, disse que “o cristal entre nós quebrou” e me deixou outra vez. Assim, do nada e sem motivos. A maior patifaria. Pessoas chegadas me disseram que ele tinha outra, “porque nenhum cara larga a mulher sem ter outra em vista”. E eu, mais uma vez, me recusava. Decidi, no entanto, não querer mais assunto. Deixei esse cidadão de lado e segui adiante. Poucos dias depois, eu soube de mais uma novidade: o rapaz levou outra mulher e apresentou aos pais. Uma semana depois de anunciar a todos casamento comigo. Nossa! Estou com vergonha de mim depois desse relato. Que vexame. Se bem que a vergonha não é minha, concorda? Eu jamais desrespeitaria minha família levando um e outro para apresentá-los, como nem um adolescente o faz. E a coisa ainda fica pior: A mulher com quem ele me traiu e assumiu relacionamento “oficial” é uma cidadã do nosso trabalho, amante de políticos brasileiros, fato que todos sabem menos aquele que tem “a síndrome do último a saber”. Perdi a conta das mensagens que recebi de colegas horrorizados quando viram postagens dele nas redes sociais. Sim. Ele publicou em dias o que não fizera comigo em anos.
Para falar a verdade, eu lamento. Porque ele não parece ser mau. É um perdido, um vagueante débil pelas estradas humanas. Eu podia me sentir mal, sim, de verdade. Mas apesar de toda a vergonha que passei com isso tudo, a molecagem jamais foi minha. Fiquei constrangida diante de minha família e amigos porque tenho caráter. Mas isso elevou minha honra. Nunca fui tão amparada e tão respeitada por todos os meus colegas como tenho sido depois de tudo o que aconteceu. Não tenho motivo algum para carregar vergonha. Sempre fui verdadeira, sincera, honesta, correta e leal. Existe alguém com motivo para andar de cabeça erguida, e essa pessoa sou eu. Se o diabo pensou em me dar vexame, acabou me dando ainda mais moral.