Não se cure. Procure-se
Estamos no final desse turbulento 2021. Um ano no qual tivemos que dar continuidade a nossa batalha contra um inimigo invisível, minúsculo, mas capaz de proporções gigantescas que extrapolaram o âmbito da saúde. E sempre que um ano está se aproximando do seu fim, a gente fica imaginando como será o próximo. Até mesmo fazemos planos. Traçamos metas. Firmamos promessas com nós mesmos. Então tenho uma proposta a fazer, algo que todos nós poderemos buscar ao longo do 2022 que bate à porta. Depois de tantos meses trancafiados dentro de casa, muitos resumidos a sua própria companhia, tantos de nós começaram a se sentir inadequados, como se jamais pudessem fazer parte da sociedade por perceberem que não possuem os muitos atributos que por ela são exigidos. E começaram a achar que precisam de alguma cura. Nós não precisamos de cura. Necessitamos de uma procura.
Eu ouvi isso pela primeira vez lá no comecinho de setembro em uma entrevista que participei com um psicólogo das chamadas Psicologias Humanistas (aliás, se você quiser ouvir ele mesmo explicando sobre esse conceito, apenas procure por Insight Psicologias no Spotify, Deezer, Orelo ou Google Podcasts e encontre a parte quatro da série Psicologias). Ele comentou que muitas pessoas chegam aos consultórios de psicoterapias ansiosas por alguma cura, por se modificarem de alguma maneira. Mas essa modificação não é no sentido de se sentirem mais pertencentes a si mesmas, mais congruentes com os seus sentimentos e desejos. É no sentido de almejarem por uma aceitação externa, alheia a elas mesmas, advinda de terceiros. Por perceberem que não são capazes de atenderem às expectativas e exigências dos outros, concluem que há algo errado consigo, algo que precisa de concerto e, portanto, vão atrás de uma cura da qual não precisam.
Nós não precisamos nos curar de nós mesmos. Mas é isso o que muitos tentamos fazer. Insatisfeitos com a nossa essência, com o nosso jeito de ser, influenciados por opiniões e determinações que ditam como deveríamos viver, pensar e falar, procuramos por alguma maneira de nos adequarmos aos moldes previamente impostos a nós. Mas é justo? É justo desistirmos dos nossos sonhos, dos nossos anseios, da nossa felicidade só porque queremos ser “aceitos”. Mas o que é ser aceito? O que é realmente ser aceito? Se as pessoas não podem nos aceitar como somos, mas podem nos aceitar como querem que sejamos, então não estão aceitando a nós, mas, sim, à imagem delas refletida em nós. Porque a aceitação verdadeira deve ser incondicional.
Por isso a minha proposta para esse próximo ano, mas que pode começar nesse exato momento, é a que gente se procure. Que possamos olhar para nós mesmos encontrando as nossas singularidades, aquelas características que no meio de bilhões de pessoas nos tornam tão únicos e ímpares, aqueles traços tão específicos e especiais que fariam aqueles que realmente nos amam e aceitam nos reconhecerem até quando a luz não estivesse tão forte. Nessa procura por nós mesmos podemos acabar fazendo descobertas surpreendentes. Podemos descobrir que jamais pertenceremos a um determinado grupo de pessoas, mas que faremos parte do outro ainda melhor e mais coeso. Podemos descobrir que nunca seremos capazes de atender a expectativas de algumas pessoas, mas que somos responsáveis por atendermos apenas as nossas mesmas e que os outros são responsáveis por correrem atrás daqueles sonhos e projetos que idealizam em nós. Nessa procura ilimitada, cheia de curiosidade, com potencial para grandes esclarecimentos, poderemos nos libertar daqueles julgamentos tão impiedosos que fazemos contra nós mesmos, poderemos aprender a nos respeitar mais, tendo como mantra aqueles versos que dizem que “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que se é”.
Então pare de pensar que precisa de uma cura. Não acredite quando disserem que você precisa de concerto. Nem se culpe quando não puder fazer aquilo que esperavam de você. O que é que você espera da sua vida? Da sua história? Da sua existência? É só isso o que importa ao longo da procura que proponho que você faça. Saiba que esse não é um processo tão fácil e simples, como disse anteriormente, há dores em sermos quem somos, e você será confrontado por elas. Mas também existem as delícias, responsáveis por suavizar nosso sofrimento e aumentar nossa esperança. Procure-se e tenha a chance de se encontrar. Muitos passaram por esse mundo e conheceram milhares de pessoas, mas não foram capazes de se conhecer.
(Texto de @Amilton.Jnior)