Recomeçar a acreditar
Sempre, quando nos aproximamos do último dia do ano, gosto de trazer algum texto sobre recomeços, e é claro que nesse não poderia ser diferente. Mas dessa vez fiquei pensando: recomeçar o quê? Parece que estamos tão desacreditados em virtude das dores que sofremos, em razão das perdas que enfrentamos, motivados pelas indignações que sentimos diante de tantas situações incompreensíveis. Não é de se espantar que estejamos cansados demais para ficarmos falando em recomeçar. Então quero propor algo singelo, simples, mas entendendo simples não como simplório, e sim como algo que desde sempre esteve dentro de nós: recomeçar a acreditar.
Ao longo da história da humanidade muitos eventos impactantes e devastadores tiveram que ser enfrentados. Já vivemos pandemias, já passamos por guerras sanguinárias, já estivemos governados por sádicos genocidas. E superamos tudo isso. Nós resistimos. E voltamos a acreditar quando essas dores foram superadas. Voltamos a viver quando a poeira abaixou. Povos foram dizimados, pessoas perderam os amores de suas vidas e tiveram que abandonar seus mais profundos e enraizados sonhos. Mas nós chegamos até aqui. A gente, enquanto humanidade, superou esses desafios impostos ora pela natureza, ora por nossos próprios semelhantes. Nada nos parou. Nada interrompeu a nossa existência. É verdade que já estivemos à beira da extinção. Mas resistimos firmes e estamos aqui. Continuando a escrever a nossa história. Isso porque sempre acreditamos no porvir. Sempre confiamos no depois. Nunca nos demos por vencidos, por conformados, pensando que a realidade era aquela mesma e que estávamos fadados a elas. Nós lutamos. Judeus fugiram de campos de concentração. Negros romperam as limitações das senzalas. “Rebeldes” zombaram da censura. A gente continuou. Mesmo com um mundo todo contra nós, a gente arriscou a continuar e seguimos em frente. Nós nunca nos conformamos. Mesmo aqueles que pareciam imóveis contribuíram de alguma maneira para aqueles que pegaram os sonhos daqueles que não tinham forças para persegui-los e arriscaram-se a recomeçar com garra e coragem.
Nossos ancestrais nos trouxeram até aqui. E nós vamos prosseguir.
Precisamos recomeçar a acreditar.
Mas não estou motivando uma crença irracional, sonhadora, imatura, até mesmo ingênua. Não quero que olhemos para a fumaça de uma bomba atômica e pensemos ser o desenho de uma rosa gigante. Não quero que visualizemos o cenário de uma guerra imaginando que nada daquilo é real ou que em meio ao sangue derramado é possível tirar algo de bom. Não há nada de bom em cenas de destruição e desesperança. O que existe é a possibilidade de corrigirmos o cenário. Limparmos o sangue. Auxiliarmos a que se levantem aqueles que se sentem sem forças nas próprias pernas. Retirarmos os destroços do caos. Reerguermos palácios que foram desrespeitados. Recuperarmos a esperança daqueles que só tinham isso.
Mas só é possível se recomeçarmos a acreditar que vale a pena lutar pelo nosso povo, pelos nossos queridos, por nós mesmos. Parece que estamos desacreditados. Parece que diante de tantos egoísmos e mesquinharias ninguém vale a pena, ninguém merece o nosso respeito, ninguém é digno do nosso carinho. É verdade que existem pessoas brutas, cruéis, sádicas, amargas, atrozes. Mas elas não são a maioria. O problema é que as pessoas boas, sensíveis, sutis, doces, generosas e, sobretudo, humanas, suscetíveis aos erros e dispostas às correções, estão amedrontadas, querendo se esconder, pensando ser impossível acreditar que nesse mundo opressor há algum espaço para elas. Mas o mundo não pode ser entregue aos sanguinários, aos fanáticos, aos intolerantes. Eles não são muitos. Eles só são intimidadores porque se valem de uma maldade que nos assusta. Que possamos recomeçar a acreditar no amor e em seu poder de transformação!
Então se existe um recomeço possível, se podemos falar de algum recomeço diante de tudo o que vivemos, é o recomeçar a acreditar. Acreditar de verdade. Acreditar com a convicção de que a nossa crença pode reorganizar o caos. E sabe quando acreditamos? Quando mesmo com todos os motivos plausíveis para nada fazermos, a gente vai lá e faz a nossa parte na esperança de melhorarmos o mundo. Se não pudermos mudar o mundo como um todo, com certeza poderemos mudar o mundinho de alguém. E se cada um de nós nos preocuparmos em tornar o mundo de alguém melhor, tenho certeza, o mundo como um todo alcançará uma transformação nunca antes vista. Vamos fazer história? Então recomece a acreditar!
(Texto de @Amilton.Jnior)