Validar a nossa desesperança

Estamos há poucas semanas de nos despedirmos de 2021 e darmos as boas-vindas ao ano de 2022, mas talvez não estejamos tão ansiosos quanto um dia já estivemos por aquele clássico novo dia de um novo tempo. Um dia todos ficamos contando os minutos, os segundos, fazendo a contagem regressiva com o brilho nos olhos, aguardando confiantes que o novo ano nos traria grandes realizações, seria a nossa oportunidade de concretizarmos sonhos antigos, retomarmos projetos parados, realizarmos a vida como a concebemos. Mas diante de todo o cenário de incertezas que temos vivido parece que estamos céticos quanto ao novo tempo. Que novo tempo seria esse? Um novo tempo de dores? Um novo tempo de lágrimas? Um novo tempo de frustrações? Pois é. Esses últimos anos não foram nada fáceis, e nós precisamos validar a nossa desesperança diante de tudo isso.

Não adianta tentar fingir. Não adianta que tentemos enganar a nós mesmos fugindo das nossas próprias dores, fazendo de conta que não as sentimos enquanto que, na verdade, elas ardem em nosso peito, oprimem a nossa alma e fazem o futuro ser assustador. O primeiro passo para que a dor seja curada é aceitá-la. Não adianta rejeitar a dor, porque quanto mais esforço empreendemos a fim de diminuí-la, maior ela fica, pois quanto mais tentamos nos iludir com a ideia de que ela já passou, mais temos a certeza de que ela nos incomoda. Porém, quando aceitamos o desconforto, não no sentido de nos conformarmos, mas no sentido de olharmos para ele com o propósito de solucioná-lo, encontramos modos de abordá-lo, maneiras de enfrentá-lo, jeitos de fazer com que ele seja superado.

Então valide a sua desesperança. Foram mesmo anos difíceis. Muitos de nós estão mesmo destruídos de variadas e inúmeras formas. Alguns perderam seus investimentos, outros perderam seus amores, têm aqueles que perderam a sua saúde emocional um dia tão invejada, e ainda existem pessoas que perderam tudo isso de uma vez. O fato é que pelo menos uma perda nós enfrentamos em algum sentido. Então seria natural que estivéssemos amedrontados, apavorados, sem esperança alguma, sem otimismo algum em relação ao amanhã que bate à porta. Afinal, para quê acreditar? Já não acreditamos um dia? E veja só tudo o que nos aconteceu...

Não se culpe por estar tão incrédulo. Não se culpe quando ouvir discursos de fé sobre os quais não consegue enxergar nenhum sentido. E não estou falando de fé no sentido religioso, estou falando naquele sentido superficial quando tentam nos impor um otimismo sonhador, aquele que sabemos que é impossível de ser alcançado diante da realidade que vivemos. Não é culpa de ninguém que estejamos todos destruídos por dentro, tentando demonstrar o contrário por fora. Mas se ainda conseguimos expressar que estamos bem é porque nos resta um pouquinho de esperança, um pouquinho de força.

Que tal validar essa força também? Não quero que você mentalize um 2022 de sucessos e realizações. Não quero que você acredite que com a força do pensamento, quando o relógio bater meia-noite, todos entraremos numa realidade alternativa na qual nossas tristes experiências serão apagadas de nossas memórias e retomaremos nossas histórias no final de 2019. Acredito que esse seja o desejo de muita gente. Que o tempo parasse. Voltasse atrás e pudéssemos recomeçar.

Talvez faríamos tudo diferente. Talvez levássemos as coisas mais a sério. Talvez nos empenhássemos para que a situação que vivemos ficasse sob controle o quanto antes para que não tivéssemos que nos isolar por tantos meses, perder nossos empregos, dar adeus a quem amamos sem nem podermos olhar em seus olhos. Mas de que adianta ficar nesse desejo impossível de se concretizar? Ele só alimenta a nossa desesperança e esse sentimento de impotência. Tudo o que nos resta é seguir em frente.

E não é seguir em frente desconsiderando nossas dores. Não é seguir em frente fingindo que já superamos tudo porque não, nós não superamos e vamos levar tempo até conseguirmos superar de verdade. É seguir em frente reconhecendo que a nossa dor dói no outro também. É seguir em frente aplicando todas as lições que pudemos acumular nesses últimos tempos: nossas ações ecoam nos outros; nunca sabemos quando será nosso último segundo com aqueles que amamos; não podemos ter certeza sobre o dia do reencontro com os nossos amigos; sempre haverá alguém a quem poderemos conceder ajuda. Apesar de toda essa amargura que sentimos, ainda há algo de bom em meio a tudo isso: a chance de sermos pessoas melhores.

Um novo dia de um novo tempo é apenas uma ideia. E ideias não se tornam fatos se não forem praticadas. Com isso quero dizer que 2022 não lhe trará nada. Na verdade dia nenhum traz nada a ninguém. Apenas nós mesmos podemos trazer algo de novo para as nossas vidas. E, não. Esse não é um encorajamento para que você arregace as mangas e vá conquistar o universo. Você, como tantos outros, está machucado, está debilitado, está com limitações dolorosas. É injusto fazê-lo acreditar que está tudo bem e que basta você esticar as mãos, talvez as suas articulações estejam enrijecidas, então mesmo o simples esticar de mãos irá lhe trazer dores amargas. Esse é um encorajamento para que você olhe para a vida com um olhar diferente, sendo uma pessoa diferente, que consegue respeitar a própria dor, que consegue respeitar a dor do outro, que consegue respeitar o próprio tempo e que consegue respeitar o tempo do outro também. Esse é um encorajamento para que sim, acredite num novo dia de um novo tempo, mas acredite de verdade, reconhecendo suas dificuldades, aceitando as suas limitações, buscando aprimorar seus próprios recursos obedecendo ao seu próprio ritmo. A vida pode mudar. Mas somos nós os responsáveis por essa mudança.

(Texto de @Amilton.Jnior)