Filhos adultos devem ser tratados como adultos

Na comédia Pare, senão mamãe atira, protagonizada por Sylvester Stallone, que faz o policial Joe Bomowski, cuja vida sofre uma reviravolta ao receber a inesperada visita de sua mãe, podemos reparar como Tutti(interpretada pela falecida Estelle Getty) era invasiva com seu excesso de proteção e cuidados para com um filho já adulto. Com certeza, não faltou quem achasse graça ao ver uma mãe tratar como criança um marmanjo daquele tamanho. Este filme – que Stallone considera o maior erro da sua carreira – pode não ser uma obra-prima da indústria cinematográfica mas serve para discutirmos um problema bastante comum: o de pais que exageram nos cuidados e que insistem em tratar como crianças filhos adultos que, pela idade, já deveriam estar cuidando de si próprios.

Joe, o personagem de Stallone, sempre dá uma desculpa para que a mãe não vá visita-lo, e depois que ela aparece de surpresa, vemos que ele estava mais do que certo em não querer que ela aparecesse. Tutti, a pretexto de só querer cuidar do filho, tem atitudes bastante invasivas: entra no banheiro quando ele está tomando banho, lava seu revólver, conversa sobre as fraldas dele com estranhos, trata-o como criança na frente de outras pessoas e, após testemunhar um crime, chega ao ponto de se intrometer na investigação. Tudo isso foi feito para soar engraçado no filme, mas na vida real tais atitudes são abusivas e bastante inadequadas.

Muitos são os pais e mães que, usando o argumento de que estão agindo por cuidado e amor, desrespeitam a intimidade dos filhos e se intrometem nas suas vidas. Quantos pais não fazem coisas como entrar nos quartos dos filhos, trata-los como se fossem crianças que só houvessem crescido no tamanho, dar palpites em coisas como namoros e amizades e até atrapalhar suas vidas sociais? Infelizmente, também são muitos os que justificam tais atitudes e passam os famosos “panos quentes” dizendo: “É que para os pais os filhos sempre serão crianças.”

Não se pode passar panos quentes e dizer que os filhos sempre serão crianças para os pais. Qualquer psicólogo diz que insistir em tratar filhos crescidos como crianças é altamente prejudicial, pois impede que eles desenvolvam sua autonomia e independência. Assim como Tutti atrapalha a vida de Joe no filme, pais que superprotegem também atrapalham a vida dos filhos na vida real. Por causa disso, temos visto muitos adultos na casa dos vinte e até dos trinta anos inseguros e sem saber o que querem da vida.

Excesso de cuidados não vai proteger os filhos dos perigos do mundo, mas irá deixa-los mais susceptíveis e vulneráveis. Um bom exemplo de como a superproteção não impede que os filhos sofram com os golpes da vida é o romance Clara dos Anjos, de Lima Barreto. No romance, Clara, filha de Joaquim e Engrácia, é uma jovem cujos pais não deixam sair e cercam de cuidados, vigiando o tempo todo. Entretanto, eles não a ensinam sobre os perigos que existem e, como resultado, a inocente jovem acaba sendo seduzida pelo cafajeste Cassi Jones, de quem engravida. O que podemos aprender com o romance de Lima Barreto? Que superproteger os filhos, criando-os dentro de bolhas como se eles fossem feitos de cristal só os deixará despreparados. Infelizmente, muitos pais estão criando os filhos sem querer que eles tenham suas próprias experiências, o que faz com que eles fiquem incapacitados. Vários pais dizem que não querem que os filhos se frustrem. Acontece que frustração faz parte da existência humana e o excesso de proteção não permite que os filhos se fortaleçam contra as adversidades.

Superproteção também não deixa de ser um comportamento abusivo e pode inclusive causar revolta. Como é, para o filho superprotegido, sentir que não pode fazer o que os outros fazem? Imaginemos a situação de um filho ou filha que quer viver normalmente sua vida mas os pais tratam como se fosse uma criança. O filho tratado assim sente que os pais o consideram um inepto, um incapaz. Quem se sentiu muito assim foi uma moça chamada Anita*, que até os treze anos só ia à escola acompanhada dos pais. Ela começou a brigar com os pais porque queria ir sozinha como os demais colegas, mas os pais diziam que ela não tinha capacidade de ir só à escola.

Os pais de Anita ainda eram contra a filha namorar e ficavam dizendo que “nenhum rapaz prestava” e, uma vez, quando ela precisou ir ao banco(tinha já dezessete anos), a mãe lhe disse: “pague só ao caixa, entendeu?” A mãe de Anita também se preocupava com a amizade dela com uma professora e dizia: ”Minha filha, essa mulher é lésbica.” Anita protestava com a mãe que a orientação sexual da professora era assunto particular dela mas a mãe insistia: ”Oh, minha filha, mas você é tão inocente.” Mesmo quando Anita se tornou adulta, a mãe fazia coisas como abrir sua mochila e entrar no quarto sem pedir licença. Para Anita, o cúmulo do absurdo foi quando a mãe não lhe deu dinheiro para que ela pegasse um táxi para ir à festa de aniversário de um amigo. Como o amigo de Anita era homossexual, a mãe se preocupava com o fato de que haveria lésbicas na festa. Anita chegou a contar sobre a história da festa do amigo para outras pessoas dizendo que havia sido com uma amiga e essas pessoas perguntaram: “sua amiga tem algum problema mental para os pais terem essa preocupação?”

Um caso que mostra bem como superproteger e tratar os filhos como crianças incapazes é prejudicial é o de uma jovem que um dia fugiu de casa. A história virou notícia num jornal. Os pais faziam questão de deixar a filha – com dezessete anos – na porta da escola e não a deixavam namorar nem sair com os amigos, alegando que ela devia estudar e não devia pensar em namoro. Então, quando surgiu a oportunidade, essa jovem, junto com uma colega de turma, fugiu com um traficante. Não se sabe qual o fim dessa história, mas dá para notar que a jovem, para ter tido tal atitude, estava bastante revoltada. O que é ser tratada como se fosse diferente das outras pessoas? Com certeza, essa adolescente via as amigas namorando e desejava fazer o que elas faziam, sentindo-se sufocada com o excesso de cuidados dos pais.

Tratar filhos crescidos como crianças não deixa de ser uma falta de respeito, principalmente se o filho ou filha é uma pessoa responsável e quer ser reconhecida como tal. E, se os filhos sentem que os pais não confiam em sua capacidade de discernimento, eles ficam frustrados e inseguros. Os pais devem criar os filhos para que eles se sintam capazes de seguir com suas vidas.

A moça chamada Anita sempre se sentiu muito frustrada pelo fato dos pais darem mais liberdade e confiança à irmã, que era considerada mais esperta. Anita tentou provar aos pais que era madura e responsável dedicando-se aos estudos e ajudando a mãe nas tarefas de casa mas, segundo ela, isso não deu nenhum resultado. Os pais continuaram a trata-la como se ela fosse uma “criançona”, conforme suas palavras. Quando Anita falava que queria namorar, a mãe ficava dizendo: “Minha filha, você quer sofrer com um marido ruim? É tanto homem que não presta.” De nada adiantava Anita dizer que queria namorar para ser igual às amigas e não pretendia casar com o primeiro que encontrasse, pois os pais diziam: “É melhor ficar sozinha para não ter problemas.” E Anita se frustrava mais ainda porque a irmã namorava à vontade e os pais nada diziam.

Concluímos que superproteger e tratar filhos adultos como crianças é uma atitude que mutila os filhos. Pais superprotetores são abusivos, intrometidos e egoístas. Eles deviam inclusive entender que querer criar os filhos cercando-os com cuidados demais não permite que eles desenvolvam sua própria força e autoconfiança. Devido à superproteção, temos visto muitos adultos incapazes de lidar com a frustração e os desafios da vida adulta. Muitos adultos depressivos, inseguros e tensos foram superprotegidos pelos pais. A superproteção é uma atitude bastante doentia. Crianças superprotegidas vivem tensas por quererem se aventurar pelo mundo e não poderem porque os pais estão sempre a cerca-las com excesso de cuidados.

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