O Problema do Sofrimento

Dias vão dias vêm, mas o sofrimento é constante, a cada instante ele está presente. Confesso que já me acostumei a conviver com esse hóspede indesejado. Somos constituídos para suportar longas tensões, como seres subterrâneos, materiais, somos impulsionados pelo sofrimento, para frente, para o alto, para a superação. Assim foi com os primeiros seres que, de um dia pro outro, foram obrigados a saírem do mar e migrarem para a terra. Uma enorme tensão, como contrações de uma gravidez incerta, vêm crescendo século após século. Nietzsche havia previsto já no século 19 essa tensão, ele deu o diagnóstico, percebeu os motivos da doença que se agravava depois que os valores cristãos, que, por 2 mil anos impedira a humanidade do niilismo prático, foram destruídos pela ciência e pelos próprios cristãos.

Entramos na modernidade cheios de fé na ciência, crentes, como os crentes, que o problema da vida, o sofrimento, seria, por fim, resolvido. Hoje, na era da pós-verdade, descrentes de uma salvação, entregues ao destino de uma eminente morte em vão, o sofrimento continua aprofundando. Mas é ainda cedo para que, em geral, todos percebam que o mundo que criamos sofre de uma dissolução. Não temos ainda aquela angústia da dúvida e incerteza que no tempo de Buda assolava quase todas as camadas da civilização, ainda não sofremos o bastante para encarar de frente o problema do sofrimento. Estamos muito dentro do processo, muito próximos para sentir do que se trata. Continuamos a usar os mesmos antigos paliativos para a dor, remédios que já não surtem efeitos, não compreendemos o fundamento de nossa psiquê; a alma está pedindo atenção, ela exige uma transmutação nos valores. Estamos em tempos de transição.

A moral, a compaixão, os meios de evitar e suportar o sofrimento apenas aprofundam a dor, escondem o verdadeiro problema. O que verdadeiramente nos repugna não é a dor, mas a falta de significação da dor. Os valores que antigamente nos davam um sentido para suportar a dor, hoje já não nos servem mais. A humanidade não tem nenhum sentido, nenhuma meta, nem um sim, um não. Falta a pergunta "para onde?". Não se pode fazer da sobrevivência - sem excluir seus luxos - uma meta, um sentido, isso não funciona, a alma pede mais. É necessário uma superação de nossa condição animal-homem.

Quem tem um " porquê" suporta qualquer coisa. Repito: não é a dor o problema da existência, é a falta de sentido da dor.

Já é hora de começarmos a pensar a respeito se quisermos sobreviver como espécie. Reter é perecer.

Fiódor
Enviado por Fiódor em 11/11/2021
Código do texto: T7383181
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