A nós, os Vencidos!
A nós, os cansados, envergonhados de si mesmos, como quem se tivesse enganado durante anos e só agora descobriu a mentira, aqueles que tanto buscaram e perderam o ânimo por nada encontrar - O que nos restou?
Desperdiçamos nossas forças em busca do "sentido", renunciamos tudo pela causa, e só encontramos o grande " Em vão" a que todas as coisas se reduzem. Incapazes de nos recuperar de alguma maneira, descrentes de qualquer cura, mortalmente conscientes, passamos a vida como folhas sopradas pelo vento; incrédulos de nós mesmos reduzimo-nos ao pó que, pra lugar nenhum, o tempo arrasta; desconfiados do "mundo verdadeiro e eterno", perdemos a única crença que nos sustentava no mundo, abriu-se um buraco sob nossos pés. Assim, seguimos a procissão dos derrotados, moribundos, coroados pela amargura da desilusão. Mas se estamos desiludidos, não é da vida, e sim, daquele mundo " imperecível ". Nada nos restou senão o grande esquecimento...
Não há cura para a amargura do des- conhecimento, somos irremediavelmente doentes, nada há no mundo que nos console, nossa probidade intelectual nos afasta do " Santo Graal". Esta dor só a conhece quem buscou e nada encontrou...
Sem forças para criar um "sentido", descrentes de qualquer " razão ", tornamo-nos crianças distraídas, protegidas pelo acaso, envoltos nas brumas da solidão. Se haverá alguma aurora para nós, se o nosso nome um dia será ligado a algo de grandiosa coragem, como aqueles bravos homens que se lançaram no mar desconhecido do conhecimento, não o sabemos, não cremos no futuro, nem em honras e heróis. Representamos, provavelmente, a transição de dois mil anos de história, só podemos adiantar o que todos, no mais profundo de si mesmos, já sabem - que há noite antes e depois da vida...
Quase invejamos aqueles que, não fosse pela inexorável certeza de nosso destino, como borboletas nascem e neste mesmo dia morrem sob a face da luz, crêem que a luz é eterna. Eu disse 'quase', mas não invejo a sorte de ninguém; a cada um é dado o jugo que lhe cabe. Se sou incapaz de me iludir, então este é o meu fado, que, como tudo, tem seu lado sublime.
Crer é iludir-se. Não crer é inútil.
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Às vezes, em raros momentos, também temos nossas crenças no " imperecível ", nos iludimos por um tempo que exista algo, um sentimento, um ser que perdure ao tempo. Mas o sonho não dura, logo retornamos ao mundo com aquela visão clara de tristeza serena, onde o "eterno" é apenas símbolo.
Isso faz de nós argonautas da alma, compreendemos o que nos leva a crer, e é esta compreensão que nos matou para a ilusão da eternidade...
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Sábios incautos e loucos, poetas descrentes, navegantes da alma. O destino nos quis aventureiros, viajantes do mundo astral. Tudo tenta nos conter, tudo chama nossa atenção, tudo nos encanta, mas nada nos prende. Estamos sempre chegando de partida, transitórios como a vida...
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Aquela "completude" poderia ter existido; aquela "ordenação moral do mundo" poderia ter existido; aquele amor na interação dos seres poderia ter existido; aquela felicidade universal poderia ter existido; aquela paz de sentimento oceânico poderia...
Mas não pôde... no tempo não se alcança nada, nada é alcançado. A desilusão com o fim do devir, em sentido subjetivo, é a causa do vazio, é a insuficiência de toda hipótese e sentimento relacionada a um fim.
Arrancamos a alma do centro do universo, relativizamos nossas perspectivas, o mundo não é nossa imagem e semelhança. O fato de sentirmos não significa que é, sentir-se pecador não significa que se seja pecador; não é porque temos objetivos que o universo também tenha de ter. Não cremos mais em Deus e, muito menos, no ser humano, destruímos esse prepotente antropocentrismo cósmico; incrédulos da alma, ainda assim sentimos como almas. O mundo, para nós, é um metáfora...