mocinha do tempo (divagações de cocci) 🐞

Nesse grande alvoroço de altos e baixos, minha história é contada. Um amor por muito tempo silenciado nasceu tímido, quietinho e nem fez muito suspense para declarar que veio para ficar. Começou lá na infância e segue em meu coração até os dias de hoje e assim será até o último suspiro.

Aos 7 anos o ambiente escolar era hostil, iniciando com a professora, que além de ser mal-humorada, não gostava do ofício e nem das crianças, menos ainda de mim. Minha então melhor amiga, sem que eu tenha lhe dado motivos, num dia me disse na hora da saída que não queria mais andar comigo, quando lhe inquiri, ela me mandou tomar naquele lugar. O restante da turma me tratava mal, comuns eram os episódios de agressão física e verbal, humilhações, roubos, a conivência da docente para com os agressores e a total falta de empatia por mim.

O berço do saber tornou-se um lugar perigoso para uma criança indefesa e que da vida pouco sabia. O medo era regente de meus passos e não à toa a grande estrela do espetáculo. Conheci a palavra monotonia por causa de um cartão de ursinhos que ganhei, perguntei à minha mãe o que significava aquele verbete sem nem mensurar que ele residia em meu peito noite e dia.

Numa segunda-feira na qual não pude faltar aula, disse ao meu pai quando o carro se aproximava do portão da escola que não queria mais estudar. Um tempinho depois fui encaminhada até o gabinete da diretora e lá estava o meu progenitor com as orientadoras pedagógicas e contei toda a verdade, chorei, pois carregava comigo uma tristeza muito grande que por ficar assim tão escondidinha transformou-se em depressão.

Eu não fazia a menor ideia dos acontecimentos porque os adultos resolviam os tramites todos. Toda segunda-feira à tarde eu ia ao consultório da Dra. Fátima, uma psicóloga que me deixava à vontade para escolher qualquer brinquedo e enquanto isso conversávamos, ela queria saber como foi o meu dia, a minha semana, essas coisas e à minha volta recebi apoio da família, na escola eu não fiz amigos novos, apenas cumpri meu dever, os meninos que mais me humilhavam levaram bronca e me esqueceram um pouco, entretanto, nunca pediram desculpas.

A mudança de residência fez com que acendesse em mim a esperança de ir para uma instituição de ensino onde fosse feliz e sempre que virava a esquina naquela avenida que dava acesso ao meu novo lar, observava aquele colégio pequeno, a hora da saída, aquela horda de crianças atravessando as ruas, entrando nos carros ou nas conduções, queria ser uma delas, eis que uns meses depois consegui e sempre que passava em frente ao local onde passei maus momentos, sentia o estômago embrulhar.

Aprendi numa aula de ciências os nomes dos nove planetas do Sistema Solar (quando eu estava na terceira série, Plutão ainda era planeta), até hoje recordo-me da musiquinha ensinada para ajudar a fixar o conteúdo e presumo que foi nessa época que comecei a observar o céu para valer, acompanhar as quatro fases da lua com os olhos maravilhados por ter o privilégio de ser espectadora de tão magnífico espetáculo.

Meus olhos também tornaram-se mais atentos às mudanças no tempo, ao ritmo de cada uma das quatro estações, tudo que envolvesse de alguma forma o clima despertava o meu sincero interesse. Durante o inverno, quando vinha alguma onda de frio, a expectativa de ver neve, abria a janela toda manhã imaginando que veria aquela camada branca cobrindo os gramados, telhados, que sairia para fazer bonecos de neve, o que significa que vi filmes norte-americanos por demais, porém o álibi de ser criança me salva um pouquinho.

Aos 10 anos o momento do jornal que eu mais gostava era quando a mocinha do tempo aparecia e então eu poderia saber se choveria, faria sol, se deveria ir à aula bem agasalhada ou dispensar o blusão de moletom.

Mais, descobri que gostaria de ser mocinha do tempo.

Espere um momento... para ser mocinha do tempo eu precisaria ser jornalista e meteorologista ao mesmo tempo?

Concluí que sim, precisaria estudar muito para ser mocinha do tempo. Eu ainda era estudante do ensino fundamental, muitas águas rolariam por debaixo da ponte.

Um mapa-múndi atrás de mim, o rádio do meu irmão do lado, a fita do Top Surprise 3 tocando do início ao fim e eu falando com câmeras imaginárias, quando apenas minha irmã e quiçá nossos brinquedos eram os únicos espectadores. Os melhores, diga-se de passagem. Se meu noticiário tivesse uma trilha, seria Beautiful life, do Ace of Base.

Uma ocasião marcou-me sobremaneira. Apesar de sonhar muito em entender os fenômenos da atmosfera, Ciências era o meu calcanhar de Aquiles, até mais do que matemática, todavia a professora pediu para a turma fazer um trabalho cujo tema fosse livre, desde que apresentado em classe. Não pensei duas vezes: falaria sobre a previsão do tempo.

Naqueles tempos eu não tinha computador, quanto mais internet, restando-me enciclopédias antigas e livros de ciências. Era preciso fazer um cartaz com colagens e também um experimento. Debrucei-me sobre o material de pesquisa e sentia-me feliz por poder compartilhar com as pessoas algo que eu amava. Pedi ajuda à minha mãe para fazer uma biruta, o resultado foi excelente e havia chegado o dia de apresentar o trabalho para a turma toda.

O sacrifício foi recompensado pelo olhar de admiração da professora, que não somente me deu uma boa nota como também me convidou a explicar um pouco sobre previsão do tempo para outras turmas e naquele instante senti-me a própria mocinha do tempo da televisão, certa de que quando fosse adulta, faria isso diante de uma câmera para milhões de brasileiros. Para aquelas meninas que sentiam prazer em me diminuir, me humilhar e fazer parecer que eu era uma piada, eu poderia ser o que fosse que continuaria sendo tratada feito lixo.

Observando o céu naqueles tempos pueris eu era hábil em diferenciar os tipos de nuvens e também me atentava aos gráficos que indicavam sol, chuva, nevoeiro, neve, geada, tempestade, chuviscos, tempestade com trovoadas, nublado, parcialmente nublado.

Sexta série, pré-adolescência, em busca de pertencimento, de esquecer as humilhações vividas no ano anterior, que não foram poucas, afinal de contas, ser a jeca da turma, a sem-sal, aquela pessoa que não fazia a menor diferença no grupo, ora, deixa feridas... nesse entremeio entre cair em depressão novamente e me refazer, a meteorologia trouxe-me inspiração para sonhar alto, tocando as nuvens e proseando com a minha velha amiga lua.

TV a cabo era luxo e que criança não quer assistir aos canais que passam desenhos animados o dia inteiro?

Pois sim, eu era uma dessas crianças e nessa viagem conduzida pelo controle remoto, mal pude me conter quando descobri por acaso, logo no primeiro dia como "assinante", que havia uma emissora dedicada à previsão do tempo 24 horas por dia. Minha mãe ainda brincou dizendo para eu não me viciar no saudoso canal 25. No fundo, nós duas sabíamos que sim.

O canal 25 chamava-se The Weather Channel (O Canal do Tempo) e apresentava boletins do tempo de todos os lugares do mundo, curiosidades sobre ciência, astronomia, sobre a própria meteorologia, informativos apresentados por meteorologistas ou jornalistas e também os boletins ancorados por eles, que dividiam-se em um revezamento. Até hoje recordo-me de todos os nomes, contudo no Youtube o acervo é bastante escasso, apesar de nessas andanças da vida ter descoberto que muitas outras pessoas além de mim também tiveram suas infâncias marcadas pela excelente trilha sonora que tocava ao fundo dos boletins meteorológicos.

Tornei-me exigente: apenas aquele boletim do tempo no jornal não bastava. Sintonizar o canal 25 era muito melhor porque os dados eram atualizados de tempos em tempos, havia a previsão estendida para três dias e durante a programação era possível aprender muito sobre o assunto. Sempre que eu podia ver televisão e não estava passando nem Chaves nem Os Simpsons, meu companheiro era o TWC e, a cada dia que passava, o desejo apenas crescia.

O amor pela meteorologia e pela escrita estão mais interligados do que poderiam suspeitar, posto que aos 8 anos, enquanto me apaixonei pela novela Maria do Bairro, também me enamorei pela previsão do tempo e se o folhetim despertou a contadora de histórias que havia em mim, os boletins sobre o tempo despertaram a eterna pesquisadora sobre o assunto.

Aos 12 anos e sem vontade de escrever (como se eu tivesse escrito algo) novelas infantis iguais àquelas mexicanas que tanto faziam com que eu me sentisse feia, insignificante e inadequada, pensei em um romance entre dois meteorologistas que se chamavam Nelson e Helena. Essa primeira tentativa parou no 23º capítulo, a seguinte foi concluída meses depois, mas por mim rasgada porque num dado momento perdi-me demais no enredo.

Durante um ano o canal do tempo retardou o segundo episódio de depressão e creio que pelo fato de ele me lembrar muito daquela menina de 11 anos sonhadora, que se achava bonita, inteligente e confiante, parei de assistir, ouvir aquelas músicas me entristeciam, a mocinha do tempo que eu amava não aparecia mais nos boletins e a mãe da pequena Marisol, de Minhas Dez Primaveras, é uma homenagem à ela.

Nunca deixei de monitorar as condições do tempo, nunca mesmo, porém no ensino médio enterrei o sonho de ser meteorologista porque foram duas pancadas no estômago de uma vez só: na minha cidade não existia (e ainda não existe) nem faculdade nem curso técnico de meteorologia, o segundo e mais doloroso foi não conseguir entender Física, passando a ter raiva dessa matéria, crendo que aquele quadro no meu fictício jornal de infância seria apenas uma distante lembrança.

Muitos anos depois, logo após um trauma cujos danos ainda hoje são parte de mim, recordei aqueles bons tempos de menina e senti um nó subir a garganta, pensei naquela história de 23 capítulos que não teve sequer o direito de ser rasgada porque as folhas simplesmente desapareceram por aí, na esperança que dava ritmo às batidas do meu coração pueril, nos sonhos que ao longo do caminho fui enterrando e não me reconheci.

Nos tempos de faculdade eu não me via sendo comentarista de política, não queria manipular as pessoas e insuflar mais ódio, já tem gente demais fazendo isso. Eu desejava e ainda desejo ser útil, logo, o que faz meus olhos cintilarem é pensar na perspectiva de usar a comunicação para esclarecer os espectadores sobre assuntos que lhe são de extrema relevância e nem sempre recebem o devido valor.

Os meteorologistas naturalmente estão corretíssimos em afirmar que têm muito mais credibilidade para informar sobre as condições do tempo, todavia não é de todo ruim pensar num intercâmbio entre a meteorologia e o jornalismo, sem um roubar o lugar de fala do outro. E eu gostaria de contribuir de alguma forma para difundir conhecimentos aos cidadãos e colaborar para que a previsão do tempo nos jornais receba o devido reconhecimento porque embora não pareça, ela é mais importante do que pensam.

Pense comigo: se há estiagem na região em que você reside, ela irá te afetar, é bem possível que as autoridades decretem situação de calamidade em virtude do baixíssimo nível dos reservatórios e entre em vigor um rodízio de água para evitar uma catástrofe, prejuízos nas pequenas e grandes plantações porque o preço dos alimentos influencia o cálculo da inflação, ou seja, você sente e muito no bolso.

Como visto no exemplo citado, é de extrema importância entender o porquê da falta de chuvas, se é influência do El Niño ou da La Niña porque cada qual possui suas particularidades e afetam o comportamento do clima de forma diferente em cada localidade, quando as precipitações voltarão a cair de forma regular, quando é a estação seca e quando é a chuvosa. Pode parecer "conversa de ponto de ônibus", para matar a hora antes que ela te mate de tédio, mas para mim não é, nunca foi e nunca será.

Alerta de granizo, tempestade, onda de calor ou de frio, geada, neve, chuva congelada, chuviscos, ciclone, tornado, furacão, nevoeiro... ufa... eles nos cercam e nos marcam... por exemplo, meu primeiro beijo ocorreu numa manhã nublada de terça-feira, completei 15 anos numa segunda-feira quente e ensolarada (bem a gosto de quem os escreve), sempre que sinto o cheirinho de grama molhada após uma chuva de verão, meu coração se enternece.

Em 20 de dezembro de 2002 o The Weather Channel saiu do ar não apenas aqui no Brasil, como também no restante da América Latina, uma perda irreparável, posto que atualmente, com todos os avanços tecnológicos, uma emissora desse nicho seria uma ótima fonte de informação para aqueles que, assim como eu, gostam da previsão do tempo toda detalhada, que queriam ver coberturas especiais de conferências do clima, documentários e, claro, se naqueles boletins sem apresentador pudesse ter música boa, melhor ainda. Se no início dos anos 2000 cumpria com honra a sua proposta, imagine hoje em dia, quando os assinantes e internautas poderiam participar mais ativamente através de colaborações, das redes sociais, esclarecendo dúvidas, encantando e fazendo mais pessoas se apaixonarem por meteorologia.

Para nós resta a nostalgia, ver os vídeos do Bruno Luciano (um usuário do Youtube que publica alguns vídeos com trechos da programação do canal), a playlist feita pelo Alan Mejía e aguardar que de algum acervo mais momentos memoráveis sejam disponibilizados para descobrirmos os nomes das músicas que tocavam durante os boletins e nós amávamos, rever programas que deixaram saudades e muito nos ensinaram, pois muitas daquelas crianças que acompanharam o TWC formaram-se em Meteorologia ou ainda sonham com isso.

Alguns poderão desdenhar e torcer o nariz porque tem app de previsão do tempo e eles são muito úteis, porém se temos tantos canais de jornalismo copiando um ao outro e pouco inovando, o desejo de ser mocinha do tempo renasceu em mim porque durante a vida tentei ser igual a todo mundo e fracassei, por que não ser eu mesma?

Pois sim, eu adoraria mil vezes apresentar o boletim do tempo do que ser uma comentarista com cara de bunda vomitando achismos, que manda no maridinho e ele precisa elogiá-la todo dia naquela patética mesa redonda da hora do almoço. Ao menos eu faria algo melhor do que passar um tempão deturpando a informação e desonrando os juramentos do jornalista e nem agiria como "estrela".

Dedicar-me ao ofício faz com que eu me esqueça da ausência do meu grande e último amor.

Talvez eu não tenha nascido para me casar, ter filhos, não quero mais sofrer por conta disso, aceitando meu destino, encaro a vida sem fazer tanto drama nem me impor cobranças ou quebrar a cara por forçar algo que não é para ser. Amo e sempre amarei o amor, mas espero nunca mais me apaixonar por ninguém, dispenso o sofrimento se possível for. Talvez eu seja um pouco como a Helena que eu admirava aos 11 anos, aquela mulher que viaja pelo mundo e não precisa de homem nenhum para ser... desculpem o vocabulário chulo... foda.

Com o diploma em mãos, desejo de todo o coração aprofundar meus conhecimentos sobre meteorologia e esforçando-me para que através da comunicação seja viável cumprir minha função de servir à sociedade, da melhor forma possível, não por ansiar privilégios e paparicos, não mesmo, a força que me move é a gratidão de saber que minha explicação ajudou uma pessoa a entender um assunto complexo, isso serve de motivação para seguir em frente.

- coccinella busca reconciliar-se com a essência da pequenina cocci e voar para onde suas boas-novas possa reportar 🐞

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 29/10/2021
Reeditado em 29/10/2021
Código do texto: T7374412
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