Ela ainda tem esperança...

Ela ainda respira ...

No entanto, há muito não vive...

 

Ela morreu um pouco quando a forçaram a nascer, o fórceps que a trouxe à vida a ensinou desde cedo que escolher é tarefa bem difícil...

Ela tornou a morrer ... todas as vezes, que sem entender viu sua mãe chorar ... que enquanto aprendia a andar, buscava lenha nos campos distantes, e água no rio ... sempre ao lado de sua mãe ...

Morreu mais um pouco quando aos 03 anos se tornou babá pela primeira vez, de seu primeiro irmão ... e quando tão pequena não a deixaram dançar ...

 

Morreu quase completamente quando quem a deveria proteger a atacou e quem a deveria defender precisou de sua proteção e pela primeira vez desejou morrer integralmente ...

Morreu muitas vezes cuidando das dores dos filhos de outros, secando as lágrimas deles e fazendo promessas que não poderia cumprir

 

Morreu em si mesma... quando decidiu que era cuidadora e jamais seria mãe...

Morreu quando quis perdoar e não a deixaram ... quando tentou de novo e não soube como se desvencilhar dos vigias...

 

Ainda morre um pouco mais ...

quando se vê tarefeira e o tempo indiferente não compreende que ela tem sonhos

quando o passado a sequestra e machuca seu presente... quando a dor presente impõe medo no futuro...

quando a noite chega e o dia só serviu para sobreviver

 

Morre mais e mais, quando se envergonha de sua espécie desumana e sem freio que destrói a si mesma e a tudo que lhe dá vida...

Morre ... quando quer voar e as âncoras a prendem ao chão...

E morre de vez, quando se esconde para escrever

 

Ela vive a morrer todos os dias esperando...

Que a semente guardada na escuridão, germine...

Que os restos se tornem compostagem segura e alimente a terra

Que a árvore cortada, rebrote...

Que a roseira podada dê novas flores...

E enquanto espera ... mesmo morrendo ... ela tem esperança ...

Clarice Cândido
Enviado por Clarice Cândido em 29/10/2021
Reeditado em 29/10/2021
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