As pessoas preferem não pensar

Pensar pode ser muito desconfortável, pois nos leva a ver que a realidade não é tão cor-de-rosa como queríamos que fosse. E é exatamente por isso que muitas pessoas, em vez de refletir sobre o mundo em que vivemos, preferem aceitar “verdades” que têm sido contadas há gerações. Mas muitas dessas ditas “verdades” não resistem ao menor raciocínio. Entretanto, precisamos refletir não apenas para sermos mais livres, mas também para que nossas mentes não caiam mais nas armadilhas tramadas pelas religiões. Se examinarmos o que muitos religiosos dizem, descobriremos que que muitas das suas afirmações não contêm o menor fundamento lógico e não correspondem à realidade.

Pude constatar como as afirmações dos religiosos podem ser totalmente absurdas enquanto esperava minha vez de ser atendida pelo médico. Ouvi duas mulheres conversando entre si sobre o fato de uma delas ter perdido um filho antes que ele completasse um ano de vida. No final, elas disseram:

-Mas tudo acontece com um propósito.

-Sim, a gente não entende os planos nem a vontade de Deus.

Tudo isso me fez perguntar: por que seria da vontade de Deus que tantas crianças nasçam com graves doenças congênitas, morram logo depois de nascer ou antes de completar um ano enquanto outras – de acordo com a suposta vontade divina – cresçam saudáveis e se tornem adultas?

A ideia de que Deus tem uma vontade ou planos para nossas vidas se torna frágil principalmente quando confrontada com a ideia do livre arbítrio. As duas ideias são contraditórias e, partindo do princípio de que Deus existe, não há como Ele ter planos para nós e, ao mesmo tempo, termos o livre arbítrio e sermos responsáveis pelo que nos acontece.

Também podemos contestar o argumento – bastante usado – de que tudo ocorre com um propósito e que não podemos contestar Deus e Seus atos, pois os mesmos estão além da nossa compreensão. Eu comece a refletir sobre isso quando uma mulher me falou que tudo acontece com um propósito. Forcemo-nos a refletir. Com que propósito crianças são abusadas, espancadas e até mortas? Isso não condiz com a imagem de um Deus de amor, tão propagada pelas religiões. Porém, se questionarmos um crente apontando esses aspectos da realidade, é bastante provável que ele vá se sair com evasivas, dizendo que Deus não é responsável pelo mal que existe no mundo e que somos nós, que não sabemos usar nosso livre arbítrio, que fazemos do mundo um lugar insuportável para se viver.

Dizer que Deus não é responsável pelo mal que existe no mundo entra em contradição com outra afirmação, a de que Deus está no comando. É comum que ouçamos, quando estamos passando por algum problema, frases de consolo como: “Não se preocupe, Deus está no comando.” Então, raciocinemos um pouco. Como Deus pode estar no comando e, ao mesmo tempo, não ser responsável por nada? Também cabe aqui fazermos várias analogias. Observemos um time de futebol. Quando dizemos que o técnico está no controle? Quando todos os jogadores estão bem entrosados, trabalhando em conjunto para que o time tenha bons resultados. Poderíamos dizer que o técnico estaria no controle se ele permitisse que todos os jogadores fizessem o que quisessem? Da mesma forma, se em uma loja os trabalhadores não estão trabalhando direito, fazendo apenas o que querem, não dá para dizermos que o gerente está no comando.

Muitos dos argumentos usados pelas pessoas religiosas foram aceitos por elas sem que elas algum dia tenham contestado ou refletido sobre se eram ou não o que correspondia à realidade. Mas eles logo se provam desprovidos de consistência quando observamos a vida real. É comum ouvirmos que algo pode não estar dando certo na nossa vida porque “não colocamos Deus na frente”; “não temos fé suficiente” ou então que “Deus às vezes não ajuda porque a pessoa não merece.” Sejamos francos. Essas pessoas sabem o que estão dizendo ou apenas estão repetindo coisas que foram ensinadas a aceitar como verdades absolutas? Verdade é algo que sabemos, não algo em que simplesmente acreditamos. Do mesmo jeito que hoje muitos acreditam em Deus e no Inimigo, muitos acreditavam que os gatos eram bruxas que haviam mudado de forma ou que mulheres que curavam doenças com ervas eram bruxas.

Vejamos a questão de que não se consegue algo porque não se coloca Deus na frente. Ultimamente, no Brasil, muita gente está sofrendo com o desemprego e, com certeza, enquanto se escreve este texto, alguém está fazendo promessa a algum santo ou orando em algum templo evangélico para conseguir um emprego de um salário mínimo. Se essas pessoas não conseguem, é porque não merecem ou não botaram Deus na frente? Vejamos a realidade de países como a Noruega ou Suécia. A boa estrutura desses países nos mostra muito bem que a crença ou descrença em Deus não influi para que alguém consiga um emprego que permita se manter.

Temos de pensar, o que pode ser realmente desconfortável, forçando-nos a admitir que talvez tenhamos sido condicionados, desde a mais tenra idade, a aceitar passivamente certas verdades. E aceitar coisas como a de que nossa vontade pode não ser a vontade de Deus ou de que temos que carregar nossa cruz porque Jesus Cristo morreu por nós pode acabar nos levando ao conformismo. Nada é tão bizarro quanto levar uma criança a aceitar que ela é responsável por alguém ter morrido por ela quando ela sequer pensava em nascer. No entanto ouvimos muito que “Jesus sofreu muito mais carregando uma cruz por nossos pecados” e que “Deus está testando nossa fé.” Mas por que um Deus onisciente teria de nos testar?

Aceitemos que muitas coisas que nos ensinaram como verdades talvez não sejam o que nos condicionaram a entender como verdade. Esse não é um processo fácil, visto que nos obriga a sair de uma posição confortável na qual muitos preferem ficar aninhados. Acontece que temos de encarar a verdade até mesmo para tomarmos as atitudes certas em relação às nossas vidas.