O que dizem as esperas

Desculpe-me pelas sucessivas demoras, estive e ainda estou às voltas com as necessárias reformas estruturais. Não sou capaz de precisar quanto tempo levará até que certas lembranças não exerçam sobre mim a influência de outrora.

O processo de transformação alterna retornos ao casulo e metamorfoses, posto que volta e meia o deserto me convida a fazer caminhadas solitárias a fim de me recordar acerca da importância de respeitar meu próprio ritmo.

Há instantes em que temo sobremaneira nunca mais me permitir amar. Esperas ingratas roubaram muitos dias de minha vida desde que me entendo por pessoa, estou sempre revivendo aquela segunda-feira de março, quando eu estava com dez anos, e minha melhor amiga não veio à aula.

Sentada naquele morrinho que me propiciava uma excelente vista para o portão, eu aguardava a volta de Patrícia, dias se passaram, semanas, por fim, tive de me acostumar com a ideia de que não a veria nunca mais, como se fato não a verei. A morte ceifou todas as esperanças. Resta-me agradecer pelas incríveis semanas ao lado dela.

Entretanto, Patrícia sempre faz-se presente em pessoas que entram em minha vida e dela saem abruptamente, deixando o final em aberto, abrindo precedentes para longas e inconclusivas esperas.

Não mais me sento em um morrinho de terra, uso o bloco de notas, observo pela janela e tudo me faz lembrar aquela época que já é conjugada no pretérito. Sinto gratidão pela experiência, mas não posso negar que sua partida me destruiu. Eu não estava preparada, no entanto, quem está precavido contra corações partidos? Quem agoura despedidas abruptas?

Por algum tempo parei de orar porque não aguentava mais dizer a Deus sempre a mesma ladainha, chorar, não suportava ficar acordada, viver tornou-se um fardo. Ainda há vestígios de tristeza em meu ser, vazios profundos que continuam em busca de respostas que talvez eu nunca encontre.

Existe a real possibilidade de nunca mais te encontrar, ainda é horrível cogitar essa hipótese, por mais que seja realista e ajude-me a encarar os fatos sem mentirinhas gentis... sim, uma pessoa pode amar de novo, nunca é tarde para permitir-se, todavia, assombra-me a ideia de conhecer outra pessoa, sinto que será uma grande traição abrir o coração para outro alguém e sem certeza alguma de que a eternidade não será partida ao meio.

Ninguém tem, não é? Até aqueles casais perfeitos também estão correndo riscos, quero acreditar.

A reforma tem me auxiliado em diversos aspectos e mesmo que eu possa dar um passo para trás, ele não significa retrocesso, trata-se de alguma lição que a vida está tentando me ensinar antes que eu seja mais uma vez seduzida a voltar aos velhos hábitos, como alguém que busca na escravidão do vício o alento que não mais encontra em si.

Escrevi hoje porque senti saudades e porque as palavras amparam a catarse, dão todo o suporte necessário para que enquanto as linhas se desenvolvem, a dor não me derrube nem coloque a perder os progressos já obtidos.

A primavera está presente, mas o efeito não se sente, o frio do inverno decidiu permanecer a estadia, no entanto, a bendita chuva, ainda que não caia como em outras primaveras, ao menos resgata a esperança de dias melhores. Fazer ou não sol é mero detalhe diante do privilégio de observar o céu, o infinito que nos acompanha aonde quer que vamos.

Se você tiver um tempinho hoje, dedique-se a contemplar o entardecer, os bancos de pássaros voltando para casa, o sol escondendo-se atrás dos arranha-céus, os galhos das árvores se balançando, a graciosidade com que o ciclo da vida cumpre sua rotina sem nunca cansar-se do árduo trabalho por possuir em si um enorme senso de responsabilidade.

Marisol Luz (Mary)
Enviado por Marisol Luz (Mary) em 20/10/2021
Código do texto: T7367785
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.