OS DOIS SUJEITOS
Mirei no coração, percebi; não podia, é a casa dos sentimentos.
Apontei na cabeça, região frontal; não devia: é o lugar do pensamento, do raciocínio.
Direcionei o cano aos olhos; parei, questionei-me; é a lente para a realidade.
Dicidi diparar na boca; veio aquela sensação de estupidez, porque é pela boca que alimenta-se, canta-se, as belas canções que faz emocionar.
Calculei um ponto de morte súbita, instantânea, sem que percebesse entrando na carne o projetíl, para depois explodir dentro da cavidade. Pus o dedo indicador no gatilho, pronto para apertá-lo. Aquele seria último suspiro daquela criatura, da cor da pele escura. O ouvido seria o alvo, mas recolhi o dedo, tirando-o do ferro disparador.
Abri por inteiro, o olho 'mirador'. Baixei a cabeça, fiquei a pensar por segundos, que ele é o aparelho auscultador dos sons da natureza; dos bons conselhos. Com aquela arma em punho, levantei a cabeça, pondo, novamente, meu plano em curso; a missão a cumprir.
A distância, camuflado, procurava outro ponto vital, na ânsia de cessar o suspiro daquela vida. Continuei, apontando, mirando, a efetuar o disparo. No tórax, estraçalharia aquele ser, no ponto certo.
Jogaria ao longe, deixando-o cair na poça vermelha, do líquido do próprio corpo. Sem chance alguma de qualquer sobrevivência. Não apertei o gatilho, porque veio o um inseto, um mosquito, sentar-se as minhas pálpebras, e outro a zumbir, estalando no tímpano.
Mirei no joellho, mas se acertasse, não morreria. Ficaria cambaleante o resto da vida, andando em dificuldades. Embaraçado, deu um impulso forte para disparar na 'costa' daquele pé. Retroagi, nada ia adiantar. Gritaria de dor, aquele ser; causa do chumbo perfurante; mancaria alguns dias, até cicatrizar o ferimento.
Quis atirar para o alto. Resignei, por acreditar que esta acharia; acertaria alguém sem culpa alguma, do outro lado do morro. Ao fim, matutando saí do esconderijo, e fui caminhando na estrada do destino; certo que a Vida não tem dono. Ela é da natureza, dentro do ciclo: início, meio e fim.
E sem saber o significado daquilo tudo, mergulhei na compaixão; descobri que a arma, que dispara a bala impiedosa, do calibre alto; serve somente para preencher o vazio que a virilidade natural é incapaz de completar. E nada mais!
--O mandante, queria ouvir os disparos!
Carlos A. Barbosa.