De Frente Comigo - O Processo de Psicoterapia
Falar sobre psicoterapia não é algo simples ou fácil, valendo adiantar que outros momentos como esse que proponho se repetirão no futuro. Por isso o texto aqui transcorrido, obviamente, não tem a pretensão de esgotar o assunto, antes se pretende a ser o primeiro passo para muitos que ainda desconheçam a importância de se estar diante de si mesmo. É exatamente por aqui que vamos começar a nossa discussão. O processo de psicoterapia, ao longo dos anos, foi se aperfeiçoando e hoje já temos a clara concepção de que o paciente ou cliente tem total responsabilidade sobre a sua melhora. Não quer dizer que deve ser lançado ao mar sozinho. Quer dizer que precisa assumir o remo. O que também não quer dizer que vamos simplesmente colocar em suas mãos a ferramenta. Antes de começar a andar, a criança precisa de alguém que a ensine, que lhe sirva de apoio, que nos momentos de queda lhe estenda mão, sopre o machucado e a encoraje a seguir em frente. No processo de psicoterapia acontece o mesmo. O paciente que chega até nós pode estar machucado de inúmeras formas, enfrentando variados graus de dores e paralisia na vida. Cabe a nós, psicoterapeutas, entender as suas dificuldades, torná-las mais suportáveis ao seu entendimento e, então, ajudá-lo a aprender mais sobre si mesmo, porque isso o tornará apto a encarar a realidade que o assombra.
Então o processo de psicoterapia coloca o paciente diante dele mesmo. É um encontro com quem nós somos, com os medos que possuímos, com as inseguranças que nos assustam, com os traumas que nos imobilizam. Mas também é um encontro com potencialidades adormecidas, com conquistas ignoradas, com uma força que subestimamos no ápice da nossa dor aumentada pela descrença em nós mesmos. O processo de psicoterapia faz o paciente ou cliente compreender que ele é um ser humano, com forças e fraquezas, com capacidades e desafios, como qualquer outro homem ou mulher que habite nesse mundo.
E esse encontro consigo mesmo pode ser doloroso. Afinal, falaremos de traumas, relembraremos de experiências dolorosas, assumiremos fracassos que cometemos. Esse encontro pode ser doloroso, sobretudo, porque descobrimos que em determinadas coisas que sucederam nas nossas vidas nós tivemos alguma responsabilidade, algum grau de colaboração: seja agindo mau com alguém ou permitindo passivamente que abusassem de nosso bom senso. Esse encontro pode ser doloroso porque quando assumimos certas culpas vemos, então, que está em nossas mãos a melhora.
Contudo, esse processo pode ser redentor. Afinal, as coisas não estão perdidas, a vida não acabou, e se tivemos força o bastante para reconhecer, em um mundo de tanto individualismo, que necessitávamos de ajuda para melhorar, teremos forças o bastante para de fato deixar aquilo que nos causa sangramento. O processo de psicoterapia é um encontro com a nossa essência e, ao mesmo tempo que nos coloca diante dos nossos monstros internos, mostra-nos que temos em nós tudo o que precisamos para expulsá-los.
Por isso a importância da sinceridade diante de um psicoterapeuta. Muitos sentem medo de serem julgados, criticados e não saberem que o são porque seus psicólogos nada dizem, num sentido moral, a respeito de seus atos. Mas não deveriam se sentir assim até porque qual de nós nunca cometeu nenhum erro? Antes de psicoterapeutas, são seres humanos, e além disso se comprometeram não apenas com um conselho de ética, comprometeram-se consigo mesmos a aliviar a dor de quem é consumido por ela.
O trabalho desenvolvido é como de um escritor. Imagine-se escrevendo um livro. Para que você saiba exatamente como o seu personagem reagirá em determinadas situações e quais decisões tomará, precisa conhecê-lo. Então você imagina as características dele, pergunta-se sobre qual personalidade ele possui, e, então, escreve cenas que sejam congruentes com o seu jeito de estar e ver o mundo. Perguntas serão feitas para você em um processo psicoterapêutico, mas essas perguntas não querem descobrir os seus pecados para lhe apresentar penitências, elas só querem entender quem você é – ou quem você pensa que seja – para compreender porque você fez. E as respostas que tais perguntas suscitam são mais importantes para você do que para o psicoterapeuta diante dos seus olhos. Conforme você vai se ouvindo, analisando-se, logo vai identificando onde errou, em que exagerou e quando negligenciou. E essas descobertas vão fazendo um efeito dentro de você mesmo que o impulsiona para uma melhora até pouco impensável.
Então o processo psicoterapêutico não é uma sessão de cura na qual você encontrará alguém com esse poder. Ou talvez seja. Seja no sentido de que durante essa caminhada as ferramentas para a sua melhora vão surgindo a partir de você mesmo e o curador seja aquele que habita no seu próprio corpo. O psicoterapeuta não é um salvador messiânico. É claro que ele estudou para fazer as perguntas certas, para ter as observações corretas, para prestar o auxílio assertivo. Mas percebe que você é o protagonista da própria evolução? Que é aquilo que carrega que resolverá as suas questões? Então não tenha medo da dor ou do desconforto. Nem pense em julgamentos ou discriminações. Permita-se estar diante de você, com todas as suas qualidades e todos os seus defeitos, com todas as suas limitações e potencialidades. Permita-se a um ambiente seguro e acolhedor no qual você poderá se ouvir sem o barulho exaustivo de um mundo no qual uma multidão ensandecida tenta a todo custo nos comandar e definir.
(Texto de @Amilton.Jnior)