Medo de ser mais um em meio à loucura...

Aproximadamente um ano e meio da pandemia do Novo Coronavírus. Vacinação em massa no Brasil. Os números de infectados e mortos começam a diminuir em todo o país. As aulas presenciais estão voltando. A rotina parece começar a retornar ao seu ritmo anterior. Os professores voltam a atuar de maneira semelhante ao que faziam anteriormente.

As defasagens dos alunos são grandes. O sistema de aulas remotas trouxe muitos prejuízos. Diversas cobranças de desempenho por parte dos órgãos superiores. Exames avaliativos e classificatórios à vista. Metas audaciosas de aprendizagem a serem atingidas. Muito falatório desconexo, sem sentido. Literalmente vê-se que cegos estão guiando outros cegos. Excesso de informação e de desinformação. É difícil discernir o discurso a ser seguido e aquele que deve ser ignorado. Vários colegas de trabalho fazendo uso de antidepressivos.

Pouco mais de quatro meses da morte por câncer do meu avô. Questões em torno da divisão da herança. Papai e mamãe com problemas de saúde, precisando colocar algumas cirurgias em dia. Irmã às portas do vestibular, preocupada com os estudos. Brigas, conflitos e desentendimentos.

Cansaço. Dor de cabeça. Obrigações a cumprir. Paciência andando na corda bamba. Dificuldades em manter o equilíbrio emocional. Trabalho, trabalho, mais trabalho e faculdade para colocar em dia. Ir à Igreja nos fins de semana, alguns momentos de oração e leitura, um pouco de refrigério para a alma.

O dia era 13 de setembro de 2021, por volta das sete horas e quarenta e cinco minutos. Entro na sala, cumprimento os alunos. Faço a chamada. Entrego as atividades de recuperação àqueles que não participaram do ensino remoto conforme o esperado. A aula se inicia, leitura e diálogo sobre um texto, o tema: “Brasil: Uma Experiência Democrática (1945-1964)”.

Passados uns quinze minutos, uma aluna começa a chorar com as mãos na cabeça. Os colegas de classe tentaram me alertar que havia algo errado. Sem saber exatamente o que estava acontecendo pergunto à garota se ela quer se dirigir à coordenação para que sua mãe fosse informada do ocorrido e as devidas providências viessem a serem tomadas. De repente, o desespero da aluna aumenta, ela apresenta uma pequena dificuldade respiratória. Após ser encaminhada para a sala da coordenação por uma amiga, foi levada ao posto de saúde para conversar com um psiquiatra.

Dialogando com os alunos fico sabendo que a mãe dela havia morrido há aproximadamente seis meses. Por conta disso, eles tentaram me alertar logo que tudo começou, mas, em minha ignorância, toquei diretamente na ferida dela quando falei da possibilidade de entrar em contato com sua mãe. Aquela aluna precisava de socorro, ao invés de consolo lhe ofereci umas trinta páginas de recuperação e uma tentativa malsucedida de ajuda. Mais tarde, revi a garota e tive a oportunidade de me desculpar com ela, sei que não tive uma postura adequada.

A grande filósofa e santa que tanto admiro, Edith Stein, dizia: “Considerar um indivíduo humano isolado é fazer uma abstração. A existência de um homem é a existência em um mundo, e sua vida é a vida em comunidade”. Estamos vivendo momentos sombrios. Todos os problemas e dificuldades que já tínhamos foram acentuados por conta da pandemia e “Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente” (Papa Francisco). É, Darcy Ribeiro tinha razão quando dizia: “Tenho nítido o Brasil que pode ser, e há de ser, que me dói o Brasil que é”.

Tenho procurado me policiar cotidianamente, mas tem sido difícil resistir. Não quero me acomodar. Não quero ser mais um em meio à essa loucura. O exercício da empatia, no sentido steiniano*, tem sido minha meta. Contra meus defeitos luto cotidianamente, no intuito de tentar acolher e cuidar do próximo, mas tem dias que sou fraco, me deixo levar pela correnteza... Há momentos em que penso ser eu quem na verdade precisa de cuidados...

De qualquer forma, um dia ruim sempre termina, mas a lição aprendida dele podemos levar pela eternidade... Amanhã, terei uma nova chance de fazer diferente, esta noite me coloco mais uma vez sob os braços de meu Papai do Céu na certeza de que amanhã estarei um pouco mais preparado para ser melhor do que fui hoje.

*Entender e acolher o outro como um ser humano semelhante a mim. Com qualidades, defeitos e uma maneira única de interpretar e interagir com o contexto no qual está inserido.