Amanda
Na cama está deitada a deusa, a soberana dos sonhos. Mas como é que ela veio aqui? Quem a trouxe, que poder mágico a instalou neste trono de fantasia e de volúpia?“ (Baudelaire)
Há uma mulher atravessada em minhas pálpebras, por isso as noites insones a pensá-la.
Há uma mulher atravessada em minha garganta, que não me deixa gritá-la, mas recusa-me o silêncio. Faz-me declarar paixão e mais querer, impede-me a língua parada.
Há uma mulher atravessada em meu peito que não me deixa sossegar. Exige inflá-lo com o ar da urgência, e esta persigna-se diante da mais incomunicável inclinação.
Há uma mulher atravessada em mim. Não quer o que lhe pulsa as entranhas, já o sei. Que destino sulcado de angústia. Esta mulher sabe-me em transe. Transido. Vergastado pelas pulsões que misturam ossos, carne e espírito em um bálsamo que não oferece alívio.
Há uma mulher atravessada além de mim. Uma mulher que me faz espreitar o paraíso, sentir suas promessas, mas só me deixa os rumores de uma arqueologia das sensações.
Há uma mulher. Ela. Basta para que eu não saiba traduzir mais nada.