Amanda

Na cama está deitada a deusa, a soberana dos sonhos. Mas como é que ela veio aqui? Quem a trouxe, que poder mágico a instalou neste trono de fantasia e de volúpia?“ (Baudelaire)

Há uma mulher atravessada em minhas pálpebras, por isso as noites insones a pensá-la.

Há uma mulher atravessada em minha garganta, que não me deixa gritá-la, mas recusa-me o silêncio. Faz-me declarar paixão e mais querer, impede-me a língua parada.

Há uma mulher atravessada em meu peito que não me deixa sossegar. Exige inflá-lo com o ar da urgência, e esta persigna-se diante da mais incomunicável inclinação.

Há uma mulher atravessada em mim. Não quer o que lhe pulsa as entranhas, já o sei. Que destino sulcado de angústia. Esta mulher sabe-me em transe. Transido. Vergastado pelas pulsões que misturam ossos, carne e espírito em um bálsamo que não oferece alívio.

Há uma mulher atravessada além de mim. Uma mulher que me faz espreitar o paraíso, sentir suas promessas, mas só me deixa os rumores de uma arqueologia das sensações.

Há uma mulher. Ela. Basta para que eu não saiba traduzir mais nada.

MementoMori
Enviado por MementoMori em 19/08/2021
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