Os chatos
Participando de uma palestra de autoajuda - opa! Desculpa aí: eles não gostam que usemos o termo autoajuda. Querem fugir do termo. Por que será? Fiquei me perguntando...
Talvez porque soe pejorativo – ok, mas porque pode soar pejorativo?
Talvez porque lembre uma teologia da prosperidade, mas ao invés de dinheiro na terra e um lugar reservado no céu, você pode conseguir o sucesso, a eficácia a excelência.
O palestrante usa palavras fortes, gasta o imperativo tanto no português, quanto no tom de voz, cita a Bíblia seguidas vezes, mostra um entusiasmo extra-humano, mas que pode estar ao alcance de qualquer um - Só precisa entrar naquele estado mental (seria um transe?) e ali permanecer.
“Toda jornada começa pelo primeiro passo!” (Quiçá a compra do livro ou mesmo o ingresso para uma palestra motivacional)
As vezes traço um paralelo com drogas (ah, mas estas são do bem – me diriam seus defensores): são viciantes e podem causar dependência. Os estímulos são cada vez mais necessários para ter uma vida plena. Suas bibliotecas enchem os bolsos dos autores, que recheiam seus livros com cases (estou na moda?) de sucesso, de como viraram suas vidas de um fracasso certo para um rotundo sucesso retumbante (aqui o reforço no sucesso, com adjetivos de rotundo e retumbante só quis reproduzir o reforço de imagens que utilizam). Reconheço que a programação apresenta resultados, só acho que as pessoas estão sendo mal programadas.
Mas para o além dos meus preconceitos (ou, me desculpe se soar um pouco soberbo, da minha experiência de vida), algo me incomodou particularmente nesta palestra: Foram os círculos de atuação. Mostraram dois círculos um menor no interior de outro: para o menor, mais interno chamaram de “Círculo de Influência” e para o maior “Círculo de Preocupação”. No círculo de influência estão as coisas que dependem de você e para o outro aquilo que não depende de você.
As pessoas que atuam no círculo externo são os chamados “chatos” (palavra do palestrante). Ai que mora o perigo e nem é a definição do que seja um chato, mas sim que, como os princípios da autoajuda são por essência egoístas, tudo que você pensar que não esteja diretamente ligado a você não deverá ser sua área de atuação. Utopias são para sonhadores.
Citam a Bíblia, mas seu personagem principal pregava uma mútuo-ajuda, uma solidariedade.
As mazelas deste mundo só os chatos enxergam. O novo homem, modificado pelas ideias que agitam o seu sangue, não tem tempo para estas chatices – ele está focado, concentrado no seu desenvolvimento, no seu bem estar. Ele só vai melhorar o mundo de dentro para fora. Parece boa a ideia, mas está fundamentada em princípios egoístas.
Temos de estar bem para ajudar o próximo? Seria bom, mas quando será o próximo passo? Nestas filosofias você nunca estará preparado. Sempre terá algo a prender / trabalhar antes de tirar o foco da fórmula primordial da autoajuda.
A formula?
Pensar em VOCÊ! Focar nos SEUS projetos! Enfim, arrumar SUA casa!
As pessoas perdem o sentido do alcance e potência da sua influência - a autoajuda os diminui, os restringem – eles nunca podem fazer nada, não está na alçada deles.
Posso arrumar minha casa, acender incensos, estender um pano no chão, sentar numa posição confortável e, numa meditação procurar atingir algum estágio mental de paz ou posso deixar a arrumação para depois e me juntar a outros chatos que lutam por um mundo melhor, talvez em vão: nunca sabemos os limites da nossa influência, mas o pecado de não ter tentado nada nunca vai me tirar o sono à noite.
P.S. nas últimas eleições idiotas acreditaram num enorme círculo de influência e, com a força de fakenews e cabecinhas suscetíveis, elegeram um representante perfeito da sua pobreza de ideias.