[ESPECIAL] A Pandemia - Falhamos na prova
No último domingo eu tive o prazer de assistir a um vídeo da professora Lúcia Helena Galvão, ela que em suas redes sociais sempre traz alguma reflexão filosófica, sempre nos aproxima de uma forma reflexiva e inspiradora de pensar. Nesse vídeo em específico ela nos trouxe um balanço, vamos chamar assim, sobre os aprendizados que tivemos com a pandemia que ainda enfrentamos, fazendo um contraste entre as expectativas que tínhamos e a realidade que vivemos. Ela fala sobre vários pontos, todos extremamente válidos, que nos deixam de “boca aberta” por nossas mentes serem esclarecidas. No entanto, diante dessa riqueza de informações, quero me resumir a alguns pontos que mais chamaram minha atenção. Depois você poderá assistir ao próprio vídeo e, se se sentir à vontade, será um prazer saber quais foram as suas impressões.
O primeiro ponto que quero salientar é o fato de que, nas palavras da professora, “achávamos que éramos onipotentes (que resolvíamos tudo)”. Essa pandemia nos fez reconhecer que isso não é verdade, concorda? Um vírus nos fez entender o tamanho da nossa limitação. Nós, que já chegamos à Lua e que continuamos a desbravar os mais distantes cantos do Universo, ainda não soubemos como resolver o problema que nos foi apresentado. Não apenas em relação ao vírus propriamente, mas em relação a todas as outras questões que ele levantou. Soubemos lidar com a crise econômica? Soubemos lidar com as divergências políticas? Aliás, nem mesmo em meio a tanta dor e sofrimento humanos, deixamos de brigar. Conforme disse a professora, “achávamos que já não éramos mais capazes de explorar a dor alheia para tirar vantagens”. Foi feito um verdadeiro palanque político partidário em meio ao caos de milhões de pessoas, no qual um queria correr contra o outro (e não com o outro) para encontrar a solução primeiro e, assim, tomar para si o título de salvador. “Houve boicotes em relação às soluções”. E ainda há.
Nós nos assustamos e enojamos quando ouvimos falar sobre as atrocidades cometidas ao longo da história, como as barbaridades empreendidas por Hitler durante a Segunda Guerra Mundial, ou os excessos provocados pela ignorância religiosa durante a Idade Média quando a inquisição queimou inúmeras mulheres condenando-as por “bruxaria”. “Achávamos”, segundo a professora, “que a extrema crueldade não convivia mais entre nós”. E vimos que as atrocidades ainda podem ser cometidas. Ou será que trocar um respirador por um carro de luxo, em um ato de corrupção, quando centenas de pessoas morreram por falta de um suporte para respirar, não é um ato bárbaro? Ou ainda, será que demitir funcionários, sem a menor justificativa de crise financeira, apenas para lucrar em um momento de agonia, não é uma crueldade sem precedentes? Quantas crianças ficaram sem o leite? Quantos idosos ficaram sem os remédios? Quantos necessitados morreram de fome? Mas podemos ir além e apontar que, num momento no qual todos éramos incomodados pelas mais variadas formas de dor, o preço do gás foi triplicado! Evoluímos em nossa consciência humana? Somos tão diferentes assim dos inquisidores da Idade Média ou dos nazistas da Segunda Guerra? “Achamos que haveria mais amor e compaixão”, mas vimos, de acordo com a professora Lúcia, que “só sentimos a dor quando ela bate a nossa porta”.
Não para por aí. Outro ponto que foi mencionado no vídeo e que considero ser indispensável à nossa reflexão de hoje, é sobre a nossa inércia diante da vida. Segundo as palavras da professora, “nossa iniciativa para procurar soluções é próxima de zero” e “gastamos muito mais tempo e energia mental procurando culpados ao invés de soluções”. Durante essa pandemia consideramos que a nossa contribuição era praticamente nada e que apenas os outros deveriam encontrar um escape que seria usufruído por toda uma sociedade. E não é só na pandemia, em tantos outros aspectos das nossas vidas delegamos aos outros a responsabilidade pela mudança que queremos. É claro que muitos de nós não são cientistas com a capacidade de desenvolver um estudo capaz de produzir uma vacina ou uma medicação que freasse o avanço da crise. Mas outras soluções foram possíveis e poderíamos ter realizado. Você usou máscara? Você evitou festas inconsequentes enquanto muitos de nossos semelhantes choravam os seus mortos? As cenas de desrespeito à dor humana foram muitas e foram chocantes. Muitos de nossos representantes entraram na “onda” e fizeram de chacota as lágrimas de mães, de filhos, de namorados e de amigos que perderam os amores de suas vidas, pessoas importantes, histórias que nem mesmo haviam começado. Tínhamos soluções bem diante dos nossos olhos, mas as desprezamos na altivez de nossa petulância.
Contudo, para esse post não ficar tão pessimista, também quero trazer alguns pontos esperançosos que a professora mencionou em seu discurso. Como, por exemplo, “pessoas que conseguiram, em seus grupos, compreender a gravidade da situação e interromperam qualquer polêmica infundada e banal, qualquer motivo para divisão e ódio e [entenderam que] não havia espaço para muros banais, mas para pontes, havia urgência de compaixão”. Foram pessoas que se mobilizaram para ajudar a comunidade com doações, com uma ajuda financeira ou humanitária, que se dispuseram a ouvir quem precisava ser ouvido, que compartilharam mensagens de paz e esperança, que em suas preces, orações ou súplicas lembraram-se de todo um planeta que sangrava. Foram gestos lindos, feitos por pessoas simples, que, em comparação com os egoísmos assistidos, nos fazem crer que ainda temos solução. Sem deixar de mencionar os profissionais da saúde que, nas palavras da sábia professora, “representam o verdadeiro heroísmo”. Não se incomodaram em aumentar sua carga de trabalho, deixaram até mesmo de se preocuparem com a própria saúde e se dedicaram inteiramente àqueles que sofriam. Aliás, como a oradora trouxe, “foram o último rosto visto por muitos que partiram”. Tocante isso, não é mesmo? A importância desses profissionais tão necessários, tão grandes, tão majestosos em seu exercício profissional. Que possamos nos inspirar nesses seres humanos que, em meio à dor, trouxeram um pouco de alívio.
Eu poderia escrever um livro sobre as reflexões que esse vídeo me trouxe, mas fico resumido a essas poucas palavras, ainda insuficientes para expressar o que se passa em meu coração diante de tantas iluminações. Para encerrar, no entanto, gostaria de reproduzir algo que a professora pontuou, não exatamente com essas palavras, mas com a seguinte mensagem: precisamos saber onde estamos para sabermos como chegar aonde queremos. E é isso. A vida é sobre isso. Em relação à pandemia, vimos que estamos numa posição egoísta e mesquinha, longes de sermos aquela visão quase romântica de uma sociedade unida como uma grande e una família. Reconhecer isso é o primeiro passo para que possamos caminhar em direção à união que queremos. Mas podemos trazer isso para todos os demais aspectos das nossas vidas. Aonde você quer chegar? O que você deseja atingir? Quais são os ideais que você gostaria de viver? Quais passos você precisa dar para alcançá-los? Então analise sua realidade. Onde você está nesse exato momento? Reconheça a sua posição, por mais desagradável que ela possa ser. Não importa se você está na “lama”, como dizem. Não há vergonha nisso se você puder reconhecer com a intenção de mudar. Assuma para si mesmo as suas deficiências e limitações. E agora tome consciência do que você precisa fazer para transformar a realidade. Repito, precisamos saber onde estamos para sabermos como chegar aonde queremos. É assim que deixaremos de falhar enquanto humanidade. É assim que deixaremos de errar enquanto indivíduos.
(Texto de @Amilton.Jnior)