Luto de amores
Somente saberá a dor de uma despedida quem muito amou. Somente parte quem um dia esteve presente. Somente deixa saudades os que marcaram profundamente. É, como bem disse alguém: a saudade é o azar de quem teve muita sorte. E quanta sorte eu tive! Dois lutos. Dores que se sobrepõem e se confundem. Luto de amores. O primeiro obedeceu a ordem natural da vida, não teve escolha. O segundo quis partir. Ambos deixaram um vazio. Ambos amei com afinco. Ambos levaram um pedacinho de mim e deixaram um pedacinho de si comigo. Fica a estranha sensação de esvaziamento de sentido. De mundo empobrecido. A angústia que é companheira presente, as vezes dá lugar a esperança ainda tímida de voltar a ver o mundo com encanto, de não endurecer o coração. Rezo baixinho regado a um choro sereno pedindo sabedoria para atravessar o deserto no qual me encontro. Me nutro com os amores que ainda tenho e isso traz sustentação e alívio. Aprendo com a dor e deixo a doer, sinto doer. Sem pressa de entender eu tento me estabelecer no momento presente e me faço presente em meu próprio corpo e espírito. Escrevo, como um ritual catártico. Encho os pulmões de ar, respiro fundo e em seguida agradeço. Me lembro que não há dor capaz de desintegrar quem sou. Agradeço pelo tempo, pelo vínculo, pelos amores cultivados e recíprocos. Lamento os elos rompidos. Sustento a vida e suas impermanências enquanto faço esforço para recomeçar e reinventar o mundo após as perdas. Tudo passa. Nós passamos. As dores e os lutos passam por nós. Tudo se transforma.