Vida militante

Às vezes tenho a impressão que não tenho convicção suficiente para militar. Paro, reflito, me (pré) ocupo em raciocínios sobre o significado verdadeiro de militar e defender uma determinada bandeira, que no meu caso é da emancipação humana das relações de opressão/exploração do modo de produção capitalista.

Todavia, a sair dessa órbita desejante e adentrando na vida prática, me percebo atravessado por dilemas de ordem material, profissional e militante. Olho ao meu lado e vejo colegas que estudam de forma crítica o marxismo, mas possuem distanciamento em relação à militância, se colocam como intelectuais orgânicos dos trabalhadores, mas não querem se envolver. Do outro lado, vejo uma academia que nunca escondeu o seu viés de classe e conservadorismo, afinal, quem é a classe que domina esse aparelho ideológico, e quem são as pessoas que ascendendo à pequena burguesia, e o que elas reproduzem como cosmovisão?

Então me vejo pressionado entre a cruz (aparelho partidário, que muitas vezes enxergo como religião), e uma vida prática, que nega as elaborações ideológicas desse aparelho partidário. Por vezes me sinto numa religião no qual tenho que usar como bíblia os escritos de São Marx, Lênin, Trotsky e Gramsci. E caso eu esteja numa discussão, se eu citar: “Como Marx já dizia no capítulo tal d´O Capital”, ganho pontos, o que me faz lembrar as conversas com os neopetencostais protestantes.

Muitas vezes pensei em me distanciar, ficar mais de longe mesmo, dando um apoio, contribuindo apenas com o “dízimo” por querer focar nos afazeres acadêmicos. Penso que, a energia que gasto no aparelho partidário, com as preocupações, reuniões, plenárias, poderia ser alinhada para a leitura de obras acadêmicas, fazer as duas coisas me cansa mentalmente.

Ao mesmo tempo, tenho medo da retaliação, uma vez me disseram que é “queimação” entrar e sair de um partido, e que essa coisa de militar poderia ficar para depois, quando as condições materiais estivessem resolvidas (leia-se ser estatutário). Acho isso errado, é uma espécie de prisão mental, espiritual e prática. Parece que só te dão valor se você for “vanguarda”. Concretamente eu não me sinto vanguarda de nada.

Já pensei numas loucuras, a exemplo de cometer suicídio e escrever que um dos motivos seria o catecismo partidário. Sim, me sinto como se estivesse no catecismo, é de fato uma doutrina, afinal, temos que nos moldar numa determinada cosmovisão, acreditar em ideias que o partido constrói e ter convicção. Eu, por outro lado, não gosto do proselitismo, dos rituais religiosos e muito menos de gastar tanta energia assim num aparelho partidário, talvez eu só queira ter uma vida tranquila, poder amar, trabalhar e ser um pouco feliz, acho que nesse pouco tempo que milito, tenho mais tristeza, preocupação, e isso é angustiante.

Pensei que me sentiria alegre, não sei se é o momento, ou, apenas eu mesmo. Fico triste em não poder ter uma casa, família, esposa, esses são elementos que eu gostaria de ter, mas que, por outro lado, não se coadunam com um partido revolucionário.

Quaresmo
Enviado por Quaresmo em 04/07/2021
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