Temos de ouvir quem sabe
Digamos que uma pessoa tem um problema cardíaco. A quem ela irá ouvir? A um leigo? Se ela tiver bom senso, obviamente, ela não ouvirá um leigo, mas irá a um médico. E por quê? Porque o médico sabe. A pessoa que tiver um problema no coração irá ao médico porque, afinal, ele estudou para isso, adquiriu conhecimentos e fez especialização para se tornar habilitado para tratar problemas no coração e, ao ouvir o paciente, ele fará exames e, dependendo do que os exames apontarem, irá prescrever remédios, dieta, exercícios e, se for o caso, uma cirurgia.
Da mesma forma, se você sente uma dor de dente, você não procurará um arquiteto para falar do seu problema. Você irá a um dentista, porque o dentista sabe. Por que estamos falando sobre isso? Porque, muitas vezes, quando desabafamos com uma pessoa sobre problemas que estamos enfrentando e ela quiser dar um palpite, ela pode dizer coisas como: “Você está passando por esse sofrimento porque Deus testa mais os que Ele ama mais.”; “Isso é sua cruz” ou então: “Deus faz tudo com um propósito”.
Podemos acreditar nisso? Não, porque essas pessoas, embora falem com tanta convicção, simplesmente não sabem. Elas acreditam porque foram ensinadas a acreditar. E talvez nunca tenham questionado. No caso do médico cardiologista, ele sabe porque estudou, leu livros, artigos e já operou e tratou de vários casos de doenças cardíacas. Assim, podemos dizer que ele sabe, porque ele é alguém que buscou conhecimentos. Podemos dizer o mesmo do dentista ou do professor de uma determinada matéria. Eles sabem porque estudaram as teorias e as puseram em prática.
O problema de acreditar em algo é que muitas coisas em que as pessoas acreditam nunca tiveram a veracidade comprovada. Aliás, muitas das desculpas que os religiosos dão para explicar o sofrimento humano, se analisadas, não têm consistência. Portanto, não dá para acreditarmos quando um religioso diz coisas como: “Ah, isso é parte do plano de Deus” ou “se você não conseguiu, é porque Deus tem algo melhor para você”. Por que não podemos acreditar nessas palavras? Porque, na verdade, quem diz isso não sabe, apenas acredita.
Analisemos uma das frases citadas no começo deste texto: “Deus testa mais os que Ele mais ama.” Ela faz sentido? Vamos estuda-la. Por que Deus, sendo onisciente, tem que testar alguém? Imaginemos um pai humano. Que pai humano iria pôr os filhos que mais amasse à prova? Esta parece ser uma atitude razoável? E que maneira de amar é essa, na qual um pai faz sofrer mais o filho que mais ama? Quantos pais e mães não são capazes de dar a vida pelos filhos? E, pela nossa lógica, se um pai ou mãe ama mais um filho, fará de tudo para que ele não sofra desnecessariamente. Mas com certeza os crentes dirão que não somos capazes de entender os planos de Deus e os Seus mistérios.
Então, não podemos levar muito a sério o que essas pessoas dizem. Não podemos nem mesmo acreditar. Elas não sabem o que estão dizendo e, se talvez se dispusessem a refletir, acabariam por deixar de acreditar. Além do fraco argumento de que Deus testa mais os que Ele mais ama, vejamos outros, muito usados principalmente por pessoas do meio evangélico: “Depressão é falta de Deus, é o Inimigo agindo na sua vida.” Ninguém pode dizer que depressão é falta de Deus, até porque muitas pessoas religiosas enfrentam ou enfrentaram depressão nas suas vidas. Muitas, aliás, até pioraram porque deixaram de fazer terapia e tomar os remédios por acreditar que conseguiriam curar sua depressão ou outros problemas de saúde mental com oração. E, por sinal, hoje em dia, muitos padres e pastores dizem que quem tem depressão não deve parar de tomar remédios.
Tomemos cuidado ao desabafar sobre nossos problemas com quem é religioso. Talvez aquela pessoa diga algo que piore o nosso estado emocional pois, em vez de nos ouvir, poderá logo falar “verdades” que em nada ajudam a melhorar nossa situação. Imagine dizer a alguém que está enfrentando uma depressão profunda e problemas familiares: “Este é seu karma”, a sua cruz”. Caso você tenha depressão e problemas familiares, procure um médico psiquiatra ou um bom psicólogo. Como profissionais, eles irão lhe ajudar melhor porque sabem, já que estudaram para isso.
Muito leitores irão comentar dizendo que a oração tem poder e realmente Deus cura os doentes. Para isso irão citar casos de crentes relatando casos de curas obtidas após ter rezado e invocado o nome do Altíssimo. Mas isso não representa absolutamente a prova duma intervenção divina e tem o mesmo valor daquele que afirma ter sarado de uma grave doença simplesmente tomando chazinhos. O nosso corpo, na maioria das vezes, sara sozinho e os medicamentos apenas aceleram esse processo. A tese dos crédulos pode ser facilmente confutada com contra-exemplos de enfermos que, apesar de orar, jejuar, fazer promessas e romarias, acabaram falecendo no meio de horríveis sofrimentos.