Pessoas feridas
"Sentado ali, bebendo, considerei a opção do suicídio, mas me senti estranhamente apaixonado pelo meu corpo, pela minha vida. Apesar das cicatrizes que marcavam meu corpo e minha existência, ambos eram prioridades minhas".
Bukowski - Misto quente.
Você errou quando achou que ao me deixar eu morreria; na verdade você acertou, mas foi um jogo arriscado e, veja bem... Quando você partiu sem rumo e me deixou ensanguentado com aquela cirurgia mal operada, desmaiado dentro de uma banheira gélida com vestígios de amor espalhados por todo canto e um terço de um coração que já fora inteiro eu não morri. Não de imediato.
Houveram dias intermináveis de dor, meses incalculáveis, mas a morte abate apenas os cansados.
Quatorze semanas haviam se passado e aquele corte profundo que havia sido talhado a sangue frio, agora jaz uma cicatriz avermelhada no peito, algo frágil, mas duradouro.
No rótulo dos remédios que foram prescritos apenas o álcool e os cigarros deviam ser controlados, as drogas podiam ser usadas em excesso. E foram.
Lembro-me que a dor pior foi a de levantar a cabeça e perceber que além de nu, estava também só. Que você havia partido com parte que era minha e pra minha não surpresa havia despejado um emaranhado ensanguentado no lixo, deduzo que havia sido o alvo da cirurgia.
Mas veja bem, não morri.
No auge do uso dos alucinógenos que foram prescritos para dor revivo aquela fatídica cena de destempero e frieza sem medida e lhe digo aqui: "Estar machucado não é desculpa para ferir, se cure".
Você errou quando achou que ao me matar eu morreria; você apenas me destruí. Mas como aquela história antiga e quase bíblica da Fênix, eu ressurgi, não houveram cinzas, mas havia sangue, e morte, e desespero. E dessa nebulosa cena de terror nasci, revivi, ressurgi. Um novo eu.
Talvez por isso você passou por mim noutro dia e não me reconheceu...
Mudei meus ares
Meus bares
Meus lares
Pessoas feridas ferem, pessoas curadas curam.
Paschoal, George