Daqui a pouco você se acostuma
Já fazem quase três anos que eu ouvi de alguém a frase "daqui a pouco você se acostuma".
Sou secretária de hospital, trabalho em uma das áreas mais complexas do local. O setor de hemodiálise.
Aqui, eu fiz amigos, os pacientes daqui, para mim, são família. E a família de cada um deles, e família para mim também. Apesar de receber de vários profissionais que lá atuam a anos a orientação de não me apegar, eu que sou obediente, falhei nesse quesito. Já os amo.
Porém, nem sempre é fácil.
As vezes dói. As vezes não dá para conter as lágrimas.
E foi, no meu primeiro choro, ao ver uma criança pedindo para ver a mãe, que a dias não via, que eu ouvi a frase "daqui a pouco você se acostuma".
Foi também, quando me escondi na sala de emergência, aos prantos por ver um paciente de apenas doze anos, sentindo dores por uma cirurgia recente, em meio a aquele mar de lágrimas e de impotência que me invadiu, uma técnica me abraçou e disse " daqui a pouco você se acostuma".
Foi também, quando passando na porta do corredor, ouvi uma voz, já bem fraquinha de uma paciente, que dizia " Por que? Porque tanta dor? " .
Dessa vez, eu, ajoelhada no chão do refeitório, pedindo a Deus pela vida daquela mulher, ouvi de uma amiga novamente a frase " daqui a pouco você se acostuma"...
Teve também o dia que o paciente recebeu alta, os rins voltaram a funcionar, e ele, tão feliz e grato a Deus, me disse o quanto gostava de mim, e falou do carinho que eu tenho por eles com uma forma tão simples que expressava uma gratidão enorme... Eu, novamente, escondida no banheiro, em lágrimas agradecendo a Deus por aquele milagre, ouvi a frase " daqui a pouco você se acostuma"...
Entre essas e outras, já são quase três anos.
E eu ainda, sinto a dor do outro como se fosse a minha. Eu abraço no intuito de trazer um conforto a alguém que sofre pelo medo da perda. Eu compartilho com a família a tristeza da despedida, e também as alegrias da melhora. Eu comemoro a alta dos pacientes como se a vitória também fosse minha.
Na maioria das vezes, eu choro. Seja de alegria por vê-los bem, ou pela tristeza do contrário.
O fato é que, já são quase três anos, e eu ainda não me acostumei. Graças a Deus.