[ESPECIAL] O Envelhecimento - Preocupar-se Enquanto há Tempo

De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2018, o número de idosos no Brasil até o ano de 2042 deve ser o dobro na comparação com o ano de 2017. Se em 2017 a população brasileira contava com 28 milhões de idosos, representando 13,5% do total da população, o IBGE estima que em 2042, quando o número de brasileiros atingir 232,5 milhões, a população idosa registrará o número de 57 milhões, ou seja, 24,5% do total de habitantes. Portanto, pensar em envelhecimento é algo que deve estar presente em discussões de políticas públicas, por exemplo, que atendam as demandas que emergirão a partir dessa mudança no cenário demográfico brasileiro. Mais que preocupação com políticas públicas, a sociedade em geral precisa se preparar para os desafios dessa fase do desenvolvimento humano, tanto os que a experimentarão quanto os que conviverão com ela, afinal, direta ou indiretamente o envelhecimento, como as demais fases, têm o poder de influenciar e modificar o estilo de vida de todas as pessoas. Mas, em suma, o que é envelhecimento? É correto encará-lo como o ponto final da existência humana? É o que discutiremos a seguir.

Primeiramente, antes de discorrer sobre o envelhecimento, precisamos entender que segundo o Estatuto do Idoso todo aquele com 60 anos de idade ou mais é considerado idoso. Já o termo envelhecimento é usado para designar o processo posterior à maturação sexual, processo esse que resulta em diversas transformações no organismo e que, com o passar do tempo, acarretam no gradual declínio da chance de sobrevivência e, também, na chance de adaptação. O envelhecimento, a partir da quinta década de vida, acelera e as mudanças dele oriunda começam a ficar mais visíveis, como o aparecimento de rugas, a perda de audição e a dificuldade de memória.

No entanto, apesar das alterações significativas que alteram todo o repertório comportamental do sujeito, dentro do paradigma do desenvolvimento ao longo da vida (lifespan) é apresentada uma teoria que visa à melhoria na qualidade de vida dos idosos, não só deles, as estratégias apresentadas podem (e são) ser aplicadas em todos os períodos do desenvolvimento humano. Talvez nem percebamos, mas ao longo do nosso crescimento utilizamos os mecanismos da chamada Teoria SOC, que, se compreendidos e utilizados de maneira consciente, são ótimos aliados para a adaptação às novidades da vida. Vamos conhecê-los:

A primeira ferramenta diz respeito à “Seleção”, ela nos permite especificar e diminuir a diversidade de alternativas que temos a nosso dispor. Por exemplo, ao idoso, mediante a presença da ideia da finitude da vida, é interessante selecionar as metas mais importantes e priorizá-las em detrimento de outras que são postergadas ou até esquecidas. A segunda ferramenta é denominada “Otimização”, que nos leva a procurar pelo aperfeiçoamento do funcionamento de nossos recursos internos. Por fim, a terceira ferramenta se chama “Compensação”, ela nos leva a escolher alternativas que mantenham o funcionamento, é o que acontece quando, por exemplo, o idoso passa a fazer uso de aparelho auditivo na intenção de compensar a perda de audição.

Assim, a partir do paradigma lifespan, viver a velhice de forma saudável é sim possível, basta que as ferramentas sejam utilizadas de maneira consciente, a partir da compreensão de que a velhice, momento que aguarda a todos nós, não deve ser encarada como o ponto final, mas como um momento de reflexões acerca da existência o que poderia, até mesmo, gerar uma ressignificação no sentido da própria vida. E, assim, entramos em um conceito de Viktor Frankl, conhecido autor cuja teoria abordou o conceito de sentido da vida. É possível encontrar sentido no envelhecimento?

O sentido da vida, de maneira resumida, é a força que move o ser humano e pode ser encontrada através da criação de algo ou da prática de algum ato; na experiência com a bondade, com a verdade, com a natureza e do amar alguém; e da forma como encaramos e enfrentamos o sofrimento. O sentido da vida difere de pessoa para pessoa e até de época para época e é construído também a partir da experiência de vida do sujeito, de sua história, de suas ações frente aos desafios que cruzaram seu caminho. Portanto, inserir o conceito de sentido da vida ao falar sobre envelhecimento pode facilitar o entendimento das pessoas e oferecer formas para que essa fase possa ser vivida da maneira mais agradável possível, visto que, para muitas mentes, envelhecer representa “dependência de pessoas e remédios, envelhecer representa proximidade com a morte, envelhecer significa perder a utilidade e a importância”, fatores que acarretam em sofrimento, e, portanto, se o envelhecimento é visto como sofrimento, como encará-lo? Encontrar um sentido para esse “sofrimento” é de extrema importância para que a qualidade de vida melhore, para que o passado não seja visto com pesar e o futuro possa ser encarado com otimismo, não importa o quanto dure.

Se por um lado essa visão depende do idoso que precisa elencar suas prioridades a partir das reflexões que fizer, por outro depende também das pessoas que o cerca. Sejam familiares ou amigos, essas pessoas formarão a chamada rede social que tem por objetivo dar um suporte emocional e/ou prático a esse idoso. Porém, a fim de que essa rede seja o mais funcional possível, as pessoas precisam compreender que o envelhecimento, como as demais fases do desenvolvimento, demanda atenção, preocupação e compreensão quanto a sua forma de acontecer. O sujeito idoso precisa receber amor, preocupação, afeição (suporte emocional), e assistência (suporte prático), a fim de que tenha os efeitos do estresse reduzidos e perceba que, diferentemente do que pode passar pela sua cabeça, as pessoas que ama se importam com ele, as pessoas que um dia ajudou a cuidar agora retribuem o gesto.

Porém, para encerrar a discussão, é de extrema importância que o idoso não seja privado das atividades que tenha capacidade de realizar pelo medo ou receio que sintam aqueles que estão a sua volta. A chamada dependência aprendida surge em ambientes superprotetores que punem a independência e fazem do indivíduo alguém extremamente dependente das ações de terceiros. É necessário que haja equilíbrio e entendimento. É como fazemos com as crianças, incentivamos a independência para que elas caminhem com as próprias pernas, com os nossos idosos, na medida do possível e atentos aos limites, não podemos agir diferente. Viver com eles, não para eles, pode nos ensinar muito sobre o nosso próprio envelhecimento e, quando chegarmos ao ponto no qual eles se encontram, estaremos melhor preparados.

CONCLUÍMOS ENTÃO QUE...

O envelhecimento, ao contrário do que muitos possam pensar, não é o momento de estagnar e se privar do futuro, pode ser um momento de reflexão e reorganização frente à certeza de que o tempo já não é tão abundante quanto antes e que precisa ser utilizado com sabedoria para que as coisas realmente importantes sejam realizadas.

A falta de conhecimento gera o preconceito que as pessoas formam sobre a velhice, classificam o idoso como um sujeito inválido, alguém extremamente depende e por isso se apavoram com a ideia de que um dia também irão envelhecer. Porém, a partir dos conceitos apresentados pela perspectiva lifespan unidos ao pensamento de Frankl sobre o sentido da vida, podemos perceber que perdas podem ser compensadas a partir da seleção de alternativas e sua consequente otimização e o sofrimento causado pela angústia do passar dos anos pode ser ultrapassado quando passamos a procurar maneiras inteligentes de viver encontrando, assim, um sentido para a nossa existência, sobretudo no período mais importante das nossas vidas, quanto temos a oportunidade de comemorar nossos acertos e ensinar a partir dos nossos erros. A sabedoria sobre a vida não vem com um diploma, ela é alcançada a partir da experiência do viver, não um viver de qualquer jeito, mas um viver saudável e legítimo, como disse o filósofo Henri Amiel, “saber envelhecer é a grande sabedoria da vida”.

(Artigo escrito por @Amilton.Jnior)

Para a produção desse artigo foram consultadas as seguintes fontes:

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