Aquilo que somos
Nunca existiu um ente criador capaz de conceber e insistir na nossa dor, em trejeitos sádicos e brutais, no desamor e nos desfechos fatais. A ideia de criar um ser para sofrer não é digna de ti, ó misericordioso! Não deve existir esse ponto de partida, idealizado apenas à nossa pequena imagem. Infinitamente viva e expandida, a energia pulsa, sacode e se contrai através da nossa consciência que nos trai. Somos átomos reais que copiam modelos precários de poder e sustentação. Apenas englobamos o que vemos e imaginamos, parcas partículas vazias, ocas e sós. A ideia de pertencermos ao espaço aguça-nos a curiosidade e a sede de conhecimento, mas empurra-nos para um vazio existencial e irremediável. O medo da incerteza, da morte e a incapacidade de compreendermos o que se passa à nossa volta, faz com que criemos deuses, heróis e mitos. As religiões são pequenos nichos de poder e de ostentação, travestidos e mantidos pelo bem social e pelos bons costumes. São poderosos e perigosos modelos redutores da nossa expansão vital e consciente. Atrofiam e limitam a nossa mente, ao abrir pequenas e falsas comportas de dignidade, tolerância, compaixão e satisfação. A espiritualidade, ao contrário da religião, parece afastar-se cada vez mais desse modelo intencional de ver o mundo como uma caixinha cor de rosa de regras e virtudes feitas para agradar, harmonizar, compreender e desculpar. A espiritualização, apesar de escolher o caminho mais inóspito, aparentemente mais inseguro, intuitivo e indeterminado, tem o poder de nos projetar no espaço infinito a que pertencemos. Isso, deixa-nos mais perto daquilo que realmente somos (seres feitos de energia condensada e conectados com o universo) e reduz-nos a uma condição mais humilde de ser, tornando-nos mais livres, fortes e preparados para aceitar outras ideias, condições e saberes.