“SOBRE” O NIILISTA NÃO-SUICIDA

Publicado originalmente em 7 de julho de 2007

Já leu Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez? O fim dos Buendía é o fim intelectual do homem que descobre e acredita no niilismo. Chega-se ao fim do trilho. Nada é mais doloroso do que constatar o paradoxo da existência. Do que esse limbo entre o natural (o instinto de sobrevivência, a vontade biológica de perpetuar a espécie e de conservar a vida no tempo) e a anulação da vontade de viver atingida pelo intelecto, possível apenas, por enquanto, no ser humano. Tenho vontade de encerrar o blog, mas só o encerrarei se encerrar a vida. Deveria haver um posto médico chamado “eutanásia niilista”, onde uma injeção matasse o indivíduo indolormente. Indivíduos que deveriam apenas entrar, conversar com um especialista para que ele expusesse todas as conseqüências, para que averiguasse se aquela pessoa é realmente niilista, compreende o niilismo, e por último bastaria um SIM, sem mais delongas, para o fim. A anulação da existência. Como não há tal posto, a vida realmente fica complicada. Há, além dos instintos naturais, muita censura social em relação a atitudes depressivas e suicidas. É impossível dizer o tempo todo aos amigos desse sentimento, é impraticável ter esse tipo de conversa com os pais, o que apenas perpetua o sofrimento, que deve ser mantido tão em segredo quanto possível, e a agonia do indivíduo, que precisa viver até que suas células já não agüentem mais o tranco. Maioria dos suicídios amadores (e todos o são, pois não há o posto médico para os partidários da eutanásia niilista, como eu expus) dá errado, ou é doloroso. Por isso a pessoa ainda refuga na hora da execução. Seria tão fácil se as garantias fossem ilimitadas...

O grande problema do homem é descobrir que não há sentido na vida. Que é uma contradição a condição de ser humano e, pior, o próprio homem descobre, em certo ponto, essa contradição. Quando a Humanidade incluiu essa descoberta em seu legado, mudou – para sempre. Deus está morto. Marx está morto. A razão está morta! O ego está morto, basta querer. Sem baluartes, sem mesmo o super-homem de Nietzsche e sua “televisão”, que você preferiu desligar, junto com a sociedade do espetáculo, só sobra o ímpeto de apagar-se.

É ultrajante a condição de querer e não fazer. É uma agonia que permanecerá até a morte do niilista. É como o noivo que pede a noiva em casamento e espera alguns segundos ou frações de segundo pelo tremular afirmativo de sua boca ou gestos que igualmente sinalizem o “sim”. Mas pense nessas frações de segundo como a vida inteira de uma pessoa: uma ansiedade cortante, o imprevisto, o querer se matar e não poder, será que um dia se se matará, será que um dia será criado um sentido para a existência, será que, o pior de tudo, esse estado de dúvida plena permanecerá até a morte natural (não-suicida) do sujeito niilista? Este texto é perigoso, é! Desculpe, mas poucos irão entender. Se você entendesse, você estaria na mesma situação de fim de trilho e de desamparo que eu. Por favor, para os que não entenderam, não chamem um psiquiatra, não liguem para o hospício, não ensaiem discursos moralistas, pois eu sou amoral. Apenas me deixem quieto e só. Ria, se for o caso, se não conseguir se conter. Mas seja lacônico em suas considerações!

Descobrir e ser partidário do niilismo e do fatalismo, e ser impossível deixar de ser, pois todo o resto é tão idiota quanto (a razão, Deus, o Estado e o ego, tudo isso é tão idiota quanto a desrazão, a falta da divindade, a ausência do Estado e o esmagamento do ego, pois o niilista é o nada, é o zero, é tudo é a mesma coisa, e todas as coisas não são nada – por que “existe-se”?), é como descobrir que todos vivem nas chamas do Inferno. A diferença é que o não-niilista não vê as chamas, não sente as chamas. O niilista passa a sentir a queimação. São chamas que não irão matar, apenas promover o suplício “eterno enquanto dure”. E infelizmente o ser humano é equipado com um aparato animal que qualquer código genético encerra: somos impelidos a viver. A viver nas chamas, no suplício? Ou são as chamas, ou são as trevas. As trevas de deixar de existir. E o ser humano abomina essa idéia. Acha-se importante. Tantas gerações viveram antes dele sem nenhum prejuízo, mas ele insiste em achar que ele é um diferencial, que ele está no mundo e não poderia ser diferente, que a inexistência é a tragédia. O esquecimento é, desde os gregos, aquilo que se deve evitar de todas as formas. A ironia é que o niilista entende que deixando-se ou não de viver, nada importa mesmo, ou mesmo que importe temporariamente o destino fatídico é, cedo ou tarde, cair no esquecimento completo, do qual durante a vida pretendemos fugir. Pode ser interpretado assim também o dia-a-dia do niilista: um corredor de uma maratona eterna, que não consegue esgotar suas energias, desmaiar; não lhe é permitido desistir, mas ele vai ficando cada vez mais estafado e o sofrimento é sua única companhia.

Como não pratiquei o suicídio, não entendo o mecanismo que leva um postulante ao mesmo a cometer ou não o ato pretendido. Dizer que “é porque há uma razão, que deve ser criada pelo ser, para continuar vivo” é presunção. Aquele que conseguiu morrer poderia ser enquadrado nisso. A diferença é que ele morreu, se livrou! E eu?! E nós? Nesse limbo terrível e maldito, de ser homem, de estar nas chamas e querer pular nas trevas, e não conseguir pular, e mesmo os que eventualmente pulem, tudo, tudo... Tudo redunda e é o NADA... Existimos?

Como disse, fecharia o blog se pudesse fechar todo o resto. O blog não será fechado, embora não haja o mínimo sentido em nada que é nele publicado. Não foi o primeiro, não será o último post.