[ESPECIAL] Comunicação Não-Violenta - Uma Lição Sobre Como Usar as Palavras
Sabemos falar, ao menos sabemos como pronunciar as palavras, mas a grande questão é que não sabemos como usar essas palavras, como articulá-las, não conseguimos comunicar com clareza aquilo que estamos sentindo e esperamos das pessoas que nos rodeiam. Essa dificuldade nos leva a conflitos que poderiam ter sido evitados desde que ao menos um dos envolvidos dominasse o que podemos chamar de “arte do dialogar”. Pensando nisso, interessado em ajudar as pessoas a terem uma comunicação mais eficiente em seu dia a dia, quero apresentar uma teoria bastante conhecida no meio psicológico, mas que não se restringe aos psicólogos, algo que você pode aplicar e colher bons frutos!
Vamos falar um pouco (aqui não seria possível falar tudo sobre essa “ferramenta” tão útil, por isso, não deixe de consultar a referência que será indicada ao final do texto) sobre a chamada Comunicação Não-Violenta (CNV), um conceito desenvolvido pelo psicólogo Marshall Rosenberg para que as pessoas aprendessem a se comunicar com clareza, tranquilidade, incentivando a paz entre todos. Em primeiro lugar precisamos entender que dentro da CNV nossas conversas devem se pautar nos seguintes componentes: observação, sentimento, necessidade e pedido. Vamos entender um pouco melhor cada um deles.
A observação aqui deve ser feita sem a avaliação, visto que este último comportamento nos leva a reduzir as pessoas a rótulos que não necessariamente expliquem quem elas são, são apenas colocações que fazemos sem nem ao menos conhecermos as pessoas a fundo. Observar sem avaliar, ou sem julgar, quer dizer entrar em contanto com o fenômeno. Assim sendo, ao vermos nosso filho esperneando no meio do supermercado, a tendência é que o definamos como birrento ou mal criado, porém, nosso primeiro passo para evitar desavenças é observar apenas, descrever o fenômeno como ele se apresenta sem nenhum tipo de juízo. Nossos julgamentos podem inferiorizar as pessoas, reduzi-las e causar resistência na forma como as enxergamos.
Inevitavelmente, até mesmo por essa razão somos induzidos aos julgamentos, toda a observação que fazemos nos leva a ter algum tipo de sentimento. Por exemplo, voltando à criança que está esperneando, ao assistir à cena talvez você se sinta irritado, nervoso, impaciente, tais sentimentos o levam a julgar aquelas ações como inadequadas e a rotular o próprio filho. Portanto, é de extrema importância que saibamos reconhecer e identificar nossos próprios sentimentos. A partir de hoje, depois de observar algum fenômeno, analise quais sentimentos essa observação desperta em você.
O próximo passo é identificar a necessidade por trás desses sentimentos. E não há problema algum em reconhecer que precisamos ser supridos em alguma instância de nossas vidas. Infelizmente vivemos numa cultura na qual falar sobre sentimentos parece desperdício de tempo e confessar que possui alguma necessidade é afirmar que somos frágeis. Precisamos nos desvincular dessas visões se quisermos salvar nossos relacionamentos, se quisermos interagir de maneira saudável com as pessoas à nossa volta. No exemplo que estamos acompanhando, quais necessidades poderiam estar atrás dos sentimentos de irritabilidade ou impaciência? Talvez você goste de um ambiente mais tranquilo, sem agitos como os daquela criança, pode estar em um mau dia e qualquer coisa o tira do sério, pode ainda ter a necessidade de evitar ser o centro das atenções e você considera que os olhos de todo o supermercado estão voltados para si nesse momento. É muito importante identificar essas necessidades para que no próximo passo você consiga despertar na outra pessoa certa empatia por si.
O derradeiro passo é fazer um pedido. Isso mesmo, esqueça-se de ser um durão, esqueça-se de exigir das pessoas o que você quer mesmo que se trate do seu filho. Se você está mesmo disposto a desenvolver uma relação minimamente tranquila e amistosa entenda que é necessário pedir, verbalizar o que você quer da forma mais clara possível. Esse pedido, quando estruturado, envolve todos os passos que foram citados acima. Ao invés de rotular seu filho de birrento, ameaçá-lo com castigos ou punições físicas, exponha o que você está observando, não se intimide ao relatar seus sentimentos e necessidades e não economize sinceridade em seu pedido. Ficaria mais ou menos assim: “Filho, me parece que você está entediado ou frustrado, mas fazer bagunça no supermercado me deixa impaciente porque preciso de calma para fazer nossas compras, você poderia contribuir para que terminássemos o que viemos fazer e voltemos logo para casa?”. Um tom de voz firme, sem imposição, e uma troca de olhar gentil, sem intimidação, colaboram para que essas palavras amenizem o que está acontecendo.
Pense ainda no seu filho adolescente, que você enfrenta tanta dificuldade para conseguir entender ou dialogar, sabendo se comunicar a vida flui de forma melhor. Imagine que você entra no seu quarto e se depara com uma bagunça descomunal mesmo tendo pedido diversas vezes para que fosse arrumado. Talvez você tenha pedido da maneira errada. Observe o fenômeno (quarto bagunçado com livros espalhados no chão, meias penduradas no ventilador, a cama amarrotada, enfim, o cenário de uma guerra), ao invés de já chamar o seu filho de irresponsável, bagunceiro ou porcalhão, atente-se aos seus sentimentos (irritação, frustração, decepção, desapontamento por ter seus pedidos ignorados tantas vezes), identificado os sentimentos pense agora nas necessidades, você pode ter se sentido assim porque parece que as pessoas não escutam suas palavras ou não dão importância a elas, ou então parece que são mesmo todos uns folgados e o consideram como o empregado da família, mas não fale essas coisas com violência (a real necessidade é que você gostaria de receber maior consideração ou então de receber a colaboração de todos que dividem o mesmo teto que você e não há o menor problema em verbalizar tais fatos). Finalmente você fará o pedido, mas lembre-se de que sua conversa é com um adolescente, eles têm certa resistência ao acatar recomendações, aliás, aqui vai mais uma informação extremamente importante. Nós, seres humanos, temos uma necessidade inata de sermos autônomos, aí se dá a explicação por sermos tão resistentes às exigências, por não gostarmos de sermos ordenados a determinadas atividades, sabendo isso podemos ter um pouco mais de sensibilidade e tato na hora de fazer solicitações aos nossos filhos ou empregados, por exemplo, sempre com o foco de evitar conflitos e desconfortos. Retornando à ilustração que estamos utilizando, você quer o quarto arrumado, certo? Tente formular na sua cabeça como ficaria a estrutura da sua fala expondo sua observação, seus sentimentos, suas necessidades e solicitando seu pedido. Vamos ver se ficou parecido com a colocação que eu faria tento em vista que quero aplicar os conceitos da CNV? “Filho, estou percebendo que você não entendeu o que pedi, olhe só o seu quarto como está desarrumado, vê-lo assim me deixa irritado, porque eu gostaria de receber sua colaboração para manter a casa limpa, caso contrário fico sobrecarregado, você poderia me ajudar organizando suas coisas?”. Não seria mais fácil convencer o seu filho dessa maneira? Expondo seus sentimentos, explicitando aquilo que você precisa para, como diz Rosenberg, enriquecer a sua vida?
Temos ainda a dificuldade de falar com clareza o que queremos. Como uma esposa que reclama ao marido que ele passa tempo demais trabalhando enquanto que na verdade gostaria de dizer que sente a sua falta para jantar, por exemplo. Ele, então, entende a preocupação da mulher, concorda que tem passado tempo demais em suas obrigações e decide praticar golfe sempre que sai do trabalho. A necessidade da esposa foi atendida? Não, ela continuará sem a companhia do marido, e depois o chamará de insensível ou distante sem antes dizer, verdadeiramente, como desejava que as coisas funcionassem. Ela poderia dizer que tem observado o quanto ele tem se dedicado ao trabalho, mas que gostaria que ele também se dedicasse ao casamento, pois ela tem sentido muita falta de sua companhia para jantar, por exemplo. Precisamos aprender a dizer com clareza o que queremos das pessoas, não adianta fazer joguinhos achando que adivinharão o que queremos, precisamos ser honestos conosco e com elas também. Acredito que teríamos relacionamentos mais duradouros e solidificados se conseguíssemos nos comunicar com tranquilidade, sinceridade e empatia com a mesma facilidade que temos para julgar o comportamento do outro e nos acharmos no direito de descrever os sentimentos deles.
A comunicação não é feita apenas de um lado, mas de pelo menos dois. Assim sendo, além de eu precisar mergulhar dentro dos meus próprios interesses, compreender meus sentimentos, as necessidades por trás deles e quais solicitações tenho a fazer para tornar minha vida melhor, preciso entender que por trás da fala de alguém há sentimentos e necessidades ocultas que também tornariam a vida dele melhor, por isso é tão importante termos empatia para esvaziar nossa mente, como descreve Marshall Rosenberg, e nos conectarmos com as palavras do outro. Voltando ao exemplo do casal acima, quando a esposa disser ao marido que ele é um insensível ou que não a ama mais, ao invés de rebater com novas críticas e dizer que está sendo injustiçado, ele poderia tentar encontrar os sentimentos por trás dessa reclamação. “Você está me dizendo que não a amo mais, mas qual atitude minha causou esse pensamento em você?”. Ela entregaria o jogo mencionando o trabalho, ao invés de rebater duramente, “mas o que você quer que eu faça, abandone o emprego?”, o marido tentaria compreender as necessidades da mulher: “O fato de eu ter passado muito tempo no trabalho tem feito com que você se sentisse sozinha, estou certo? E então achou que não a amo mais. O que eu poderia fazer para mostrar o contrário?”. É necessário humildade e paciência para que a outra pessoa se sinta compreendida e segura para seu desabafo.
Consegue perceber a importância de termos de fato uma comunicação com as pessoas? A maioria apenas discute, ou cria enigmas na esperança de que sejam desvendadas, mas, como dito anteriormente, as pessoas não adivinham simplesmente, às vezes acontece, mas podemos evitar tanta coisa sendo claros e objetivos no que estamos sentindo e precisando.
Lendo assim parece simples, você pode me dizer, mas o complicado é a aplicação. E eu concordo com quem fizer tal colocação, conviver não é uma tarefa tão fácil, conquistar as coisas através da paz e do consenso pode ser mais trabalhoso do que simplesmente fazer exigências e se usar da força violenta para fazer valer suas palavras, mas devemos nos lembrar de que somos seres racionais, de que estamos nesse mundo para evoluirmos, alcançarmos o melhor de nós mesmos, e eu não acho que conseguiremos deixar boas marcas por onde passarmos se usando de violência ou grosserias. Por isso sugiro que você tente modificar sua forma de se comunicar, sua maneira de se expressar, a forma como se coloca diante das pessoas. Escute as palavras, vá além, ouça os sentimentos por trás delas, por mais doloroso que seja ouvi-las, por mais que você precise respirar fundo três vezes para não fechar os punhos, sempre valerá a pena oferecer ao outro um pouco de empatia, de compreensão. Carl Rogers, citado por Marshall em seu brilhante livro sobre a CNV, diz o seguinte: “Quando alguém realmente o escuta sem julgá-lo, sem tentar assumir a responsabilidade por você, sem tentar moldá-lo, é muito bom. Quando sinto que fui ouvido e escutado, consigo perceber meu mundo de uma maneira nova e ir em frente. É espantoso como problemas que parecem insolúveis se tornam solúveis quando alguém escuta. Como confusões que parecem irremediáveis viram riachos relativamente claros correndo, quando se é escutado”.
Os conceitos da CNV podem ser aplicados em diferentes contextos, na sua família, no seu local de trabalho, em uma escola, até mesmo no meio político! A única exigência, ao meu ver, é que todos tenham disposição para ouvirem a si mesmos e ouvirem os outros, mas ouvirem de verdade, reconhecendo que temos uma grande responsabilidade tanto no fracasso quanto no sucesso de nossos relacionamentos. Boa vontade é a palavra. Portanto, sugiro fortemente que você leia o livro que serviu de base e inspirou todo esse texto: “Comunicação Não-Violenta: Técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais” escrito por Marshall B. Rosenberg. Nele há exemplos bastante claros de diversas situações do cotidiano nos quais poderíamos evitar desavenças se utilizássemos a CNV, além disso, o autor explica sobre tantos conceitos como empatia de uma maneira clara, tocante e motivadora! Vale a pena folhear com atenção cada página, o mundo que queremos melhorar não depende apenas do desejo, da esperança, dos sonhos, precisamos nos mexer, precisamos construir esse mundo de mais solidariedade, compreensão e paz! Fica o irrecusável convite, vamos juntos melhorar nossas relações!
(Artigo produzido por @Amilton.Jnior)