Saudade
Sinto saudade das raras vezes que senti meu coração vibrar de alegre contentamento e carinho pelas pessoas e pela vida toda sem razão nem interesse algum. Um estado de espírito tão lindo e poderoso em que parecia respirar amor e cada pensamento não fosse mais sobre mim mesmo - sentia-me amado e, por isso, podia amar. Como eu queria sentir de novo a vontade da maternidade de querer alimentar, educar, ninar, cuidar e curar; como queria experimentar novamente aquele maravilhoso pensamento paterno de prover e proteger. Deus! Como é bela a pulsão parental da natureza.
Apesar de poucas, bastou só a primeira vez para eu ter a certeza que estaria aí a cura para os males da nossa condição de maldade e frieza. Estado de ser que não mais respeitava os limites do quintal emocional de família e amigos ou o extendia indefinidamente.
Até hoje guardo esses momentos no coração como maravilhosos presentes em que vislumbrei um pouco de luz e liberdade nas trevas da minha própria pesada e dolorosa personalidade cativa e a certeza que, apesar de raro e difícil, existe a possibilidade, além das palavras e do mero sentimentalismo, de vivenciar a inteligência amorosa da vida, mais além da nossa condição existencial de enfado, violência, prazer e mesquinhez.
Não saberia definir que estado era este, mas provavelmente era a de maravilhamento de uma criança que conheceu o pai que sonhava em conhecer ou a de um pintinho que pôs o bico para fora da casca do ovo e sentiu o cheiro de sua paciente mãe galinha à sua espera enquanto não rompe completamente aquilo que o aparta de seu convívio e da vida real que o aguarda.