Oração ao Tempo

Sabe quando uma música relaxa sua mente, acalma seu espírito, faz as coisas parecerem tão mais fáceis e traz de volta a esperança? Pois é, tive essa experiência ouvindo uma canção que (não sei como fui capaz disso nesses vinte anos de existência) nunca valorizei como deveria. Já havia ouvido em outros momentos, mas recentemente, prestando uma atenção especial aos seus versejares, ao que o compositor queria passar com palavras tão singelas cercadas por uma melodia tão sutil, percebi um tesouro até então escondido. Estou falando da música Oração ao Tempo, cantada originalmente pelo incrível Caetano Veloso, mas que também tem seus encantos na voz de Maria Gadú. Não importa o cantor que você escolha, apenas ouça a recomendação da Página Coisas da Vida e, então, adoraria saber quais foram suas impressões. Seriam as mesmas que as minhas?

Eu poderia ficar horas escrevendo sobre os sentimentos que a música incitou em mim, sobre as reflexões que fui levado a fazer, ou, ainda, sobre as recordações que me voltaram com toda sua força nostálgica. Mas quero me atentar à penúltima estrofe, nela tive uma grande constatação, talvez pelo momento que estamos vivendo enquanto escrevo esse texto, ou por outras experiências que passei nesses últimos meses, fato é que, para mim, tais palavras transmitem um forte pensamento, uma convicção que faz da continuidade da vida uma grande e consoladora verdade.

“Ainda assim acredito

Ser possível reunirmo-nos

Tempo, tempo, tempo, tempo

Num outro nível de vínculo

Tempo, tempo, tempo, tempo”

Por tantas razões precisamos nos distanciar das pessoas que amamos, não é verdade? Uma hora por desentendimentos, em outro momento porque precisamos mudar de cidade ou país, talvez por questões de força maior que impõem um isolamento social como o que temos vivido, ou ainda porque o inevitável fim da existência humana se apresentou no nosso caminho. Estamos sujeitos a diferentes formas de distanciamento, de separação, o comum a todas elas é que doem, machucam, incomodam e são indesejáveis. Queremos que para sempre estejam ao nosso lado as pessoas que amamos.

O problema é que o para sempre é apenas um modo de falar, bem sabemos disso apesar de tentarmos ignorar tal verdade, mas ainda assim acredito que num outro nível de vínculo, numa outra forma de encontro, poderemos estar com as pessoas que amamos, com as pessoas que nos cercam, com as pessoas que construíram uma história conosco, que nos fizeram felizes de alguma maneira em algum momento da nossa existência.

Vimos nos últimos dias, por exemplo, que o distanciamento social foi encurtado através das ligações de vídeo que podemos fazer a pessoas que moram do outro lado do planeta, essa é a apenas uma forma de reencontro, possível entre nós, que estamos vivos. Mas e quanto àqueles que se foram? Que não estão mais entre nós? Que fazem morada somente em nossos corações? Também acredito, mesmo que às vezes pareça impossível por conta da saudade que nos oprime e faz as dúvidas surgirem, acredito que de um jeito novo, nunca antes por nós experimentado, poderemos rever nossos entes queridos, as pessoas que daríamos tudo para sentirmos em nossos braços. Nada é tão perdido. Essa música, nesse ponto específico, me fez pensar sobre isso, sobre os reencontros que gostaríamos ardentemente por viver, e que, sim, num outro nível de vínculo, numa outra forma de vida, numa dimensão diferente da que vivemos, acontecerão e nos aliviarão da dor da separação.

E quanto aos que ainda vivem, mas que se afastaram, dos quais nós também nos afastamos por razões, às vezes, insignificantes, por orgulhos que poderiam ser vencidos. Seria possível nos reunirmos? É claro que sim. Para tanto, necessitaríamos de forças para romper as barreiras e humildade para reconhecer que também tivemos responsabilidade no abismo que se formou entre nós. Talvez a intensidade dos sentimentos não seja como antes, ao menos estaremos de bem com o nosso passado, e se sentimos falta de quem ficou para trás é porque nos importamos. Um novo vínculo pode se formar entre nós, menos ou mais profundo que antes, ainda assim valioso!

E você? Quais reflexões conseguiu fazer com tão belos versejares?

(Texto de @Amilton.Jnior)