o céu pesou
O céu pesou. O cinza cobriu a cidade e camuflou o mar. A água pesada lavava ruas e calçadas, enquanto homens e mulheres abrigados em seus carros pasmavam; enquanto homens e mulheres desabrigados na rua corriam.
O céu pesou lá fora e aqui dentro. Fui minguando feito a planta que luta pra manter o viço, mas resseca, enverga. Ao final do dia já não pus muita fé que duraria até a próxima rega na manhã seguinte. Dias de chuva. Dias de peso e consternação. De estar e querer a solidão ao mesmo tempo que os soluços imploram por um colo quentinho. Não há. O vazio é mais do que a ausência de alguém.
O céu pesou e eu descobri, sob sua massa implacável, que nunca fui colo pra mim. Vivi uma brincadeira de crescer na qual, crescer, eu não fiz. Sem eufemismos, calma aí. Sei que envelheci. E apenas isso. Tornei- me o fruto enrugado e insosso que apodrece no pé. Brinquei de pagar contas, de gastar muito, de ajudar pessoas e deixar tudo pra amanhã, porque hoje, ah, hoje eu queria viver. E agora paro e penso se tudo aquilo que pensei viver foi vivido. Penso na qualidade da vida que tive, se sob meu julgamento de hoje (permitam-me julgar-me a mim, pelo menos agora), eu teria sorvido a vida como merecíamos, ela e eu.
You’ve got a friend tocando. Um tanto deprê. Mas neste momento deprê nada mais justo. Não poderia ser YMCA, concordam? Não combinam as sintonias. Afinal, agora, sob o peso do meu céu, eu adoraria alguém que me cantasse a canção. Winter, spring, summer or fall... just call my name, porra! Me diz que nome é esse que eu chamo, porra!
A coisa toda está aí. Que nome chamar? Que colo quentinho é esse? Que abrigo é esse que me falta? As perguntas retóricas durante uma crise baixo-astral. Argh... patético! Típico! Conheço o roteiro: nessa hora, eu disparo o sinalizador para o céu e o primeiro que avistar a fumaça colorida virá e eu me agarrarei àquele bote e serei capaz de viver naquele pedacinho de barco por tempos e tempos... até o próximo naufrágio (que virá).
Papo chato de gente chata. Pega um livro e se inspira. Vai pra cima. Vai de bote, mas vai pro navio. Dorme na cabine quentinha e acorda cercada pelo mar. Hoje, manso.