Os autores da racionalidade

Não foram os animais que vieram até nós e nos disseram que fazíamos parte de uma espécie superior, nem mesmo alienígenas superdesenvolvidos romperam a atmosfera para nos trazer a mensagem de que éramos diferentes de tudo o que eles encontraram no Universo. Fomos nós mesmos. Nós mesmos nos encaramos e dissemos: “somos racionais”. E a partir disso, dessa racionalidade que descobrimos possuir, passamos a dominar o planeta, comandar os animais e até extrapolar os limites da possibilidade e expandir os nossos horizontes para além do Sol, da Lua e das Estrelas. Em nome dessa racionalidade desejamos dominar não apenas o nosso espaço, cobiçamos o infinito e acreditamos que seremos capazes de alcançá-lo, afinal, temos o que nenhum outro ser vivente possui, temos a proeza do raciocínio lógico, a habilidade de refletirmos sobre o passado e pensarmos sobre o futuro. E assim nos consideramos imbatíveis!

Mas será que podemos acreditar em toda essa grandeza que dissemos possuir? Não seria apenas ilusão? Tudo bem, temos um potencial de pensamento que os animais não possuem, mas matamos por cinco centavos e eles apenas quando sentem fome. Atacamos por motivos bobos, literalmente irracionais, só porque o outro não concorda com a nossa fala, enquanto os animais, que tanto subestimamos e nos orgulhamos por dizer que dominamos, atacam somente quando se sentem realmente ameaçados. Ou será que o seu cachorro lhe mostra os dentes por nada? Pelo contrário, não pode vê-lo e já começa a abanar o rabo, pega a bolinha e o convida para brincar.

Somos mesmo racionais? Preferimos nos manter em nosso orgulho doentio a perdoar aqueles que dizemos amar. Preferimos aquela distância que machuca e causa saudade ao invés de deixar no passado o que nele deve ficar e seguir em frente construindo uma nova história, reescrevendo capítulos complicados, permitindo-nos a cenários serenos. Somos irredutíveis não apenas com aqueles que fazem parte dos nossos círculos. Nas redes, sobretudo, onde parece que nada pode nos parar, pouco nos importamos com a escolaridade de alguém, com as suas condições de vida e com o seu estado emocional, se tivermos que humilhar é o que faremos, se tivermos que condenar a isso não hesitaremos, parece que sentimos prazer ao discursar textos agressivos que deixem o outro sem respostas e nos façam nos sentir acima do bem e do mal, da verdade e da mentira. Isso é ser racional?

Só vamos conquistar o universo quando finalmente conquistarmos o nosso coração, quando dominarmos as nossas emoções, quando deixarmos nossos comportamentos infantis, mesquinhos, para olhar para o outro e enxergar além do outro, enxergar um ser humano com as mesmas dificuldades que as nossas, com as mesmas lágrimas que as nossas, com as mesmas vontades que as nossas. Talvez isso seja ser racional: deixar de lado nossas emoções individualistas para compreendermos o outro em sua essência e existência. Não podemos nos superestimar tanto pela nossa racionalidade. Apesar de nós mesmos termos determinado essa básica e fundamental diferença entre a espécie humana e as demais espécies, parece que nos perdemos do significado dessa palavra, ela não se resume à inteligência invejável, ela se expande ao que fazemos com essa inteligência. De que adianta ter na ponta da língua conceitos e teoremas se não podemos ao menos dizer bom dia para um necessitado? Os animais domésticos não hesitam antes de se aproximarem de nós querendo e concedendo carinho.

(Texto de @Amilton.Jnior)