Daquilo que não foi

A vida é por vezes muito instável, não é?

Certa hora chora, noutra sorri

Certa hora quer, noutra não mais

Toma decisões difíceis

Então escolhe um caminho

Abre mão de outro

Ou luta por um sonho

E abandona paz de um sono por ora tranquilo

E então, noite adentro silencia as profecias desconexas que só o fundo da alma entendem

Ah não, não é sobre construir castelos

Ah sim, pode-se dizer castelo, mas a analogia com contos de fadas se diz tão démodé, não é?

Falo sobre sonhar em acordar nas manhãs de domingo, e se encontrar a poltrona com o mesmo sorriso que se abre com sua covinha no canto do rosto

E o hipnotizante cheiro de cafe coado pela casa como dedicatória de amor, anunciando um dia a mais

E um olhar acolhedor fugindo por cima dos óculos de grau, e chamando... “senta aqui”

E depois

Sentir com intensidade as revoltas da vida

Folheando o mesmo velho jornal de folhas ásperas e cheiro de nostalgia

Discutir a mesma velha política e por fim se sentir tranquilo no seu ativismo de dois.

É o arrepio ao ouvir as cordas no bolero latino ou a contestação em música

Vibrar em par.

E saber o valor do ruído da vitrola, voltando aos anos luz, dançando com os pés e se deliciando com seu blues

É sobre compartilhar tudo o que a vida oferece de contemplativo, com uma alma de mesma sensibilidade

E que sente como a sua...

e que sente... como sente!

Se emocionar com traços em óleo curvados em dor, inspiração ou amor.

Traços que contam a história de outros tempos

Cores que trazem uma vida

E olhar pro lado, e se sentir tocado em sintonia

E tirar os sapatos ao fim de um dia

E também os tijolos das costas

E vir trazendo duas taças afim de diluir embaraços

Desabar e ouvir palavras feitas de abraços

E ter a certeza que tem em pessoa, um lar

E vestir um amor brega, no lugar do popular vulgar

E sentir que fazem-se sentido.

É olhar no telescópio do futuro, e conseguir enxergar as bochechas arredondadas que estarão estampadas correndo pela casa e os olhos amendoados que te trarão ternura em miniatura dos dois

É relembrar em poesia

E suspirar com as semelhanças quando os pensamentos vão longe saboreando literatura

E saber que o outro sabe, nas entrelinhas de uma citação, onde está a razão

Mas

Como aspirina para essa distância dos sonhos

O papel se escravizou aos caprichos do que não alcança,

Do que ouve de longe o bolero e não dança

Se faz morada dos devaneios muito ultrapassados para a contemporaneidade

De quem a palo seco aceita as renúncias de vidas pautadas a protocolos vazios

Pautadas a escolhas passadas, por vezes erradas

Não tem olhar que compreende

Não ajusta a sintonia que toca

Já se abriu mão de si em tantas bifurcações, que desesperançosamente olha pra dentro pra relembrar a essência

E se puder, por vezes evita se trazer

E em auto reverse:

“A vida por vezes é muito instável”

E nessa ventania, nos amarramos ao primeiro pelourinho, preferindo as chicotadas, a voar pra onde o vento quem sabe iria nos presentear

E em meio a essa confusão, Manoel de Barros me resumia:

“Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.

Tem mais presença em mim o que me falta.

Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.”

E as madrugadas foram feitas pra sonhar, lembrar e lamentar.

“Enquanto no mundo tem gente pensando

que sabe muito,

eu apenas sinto.

Muito.”

Rascunhos.. 14.05.21

Jess🤍

Jéssica Montaneira
Enviado por Jéssica Montaneira em 15/05/2021
Reeditado em 20/10/2021
Código do texto: T7256128
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