Ver-se

Era um daqueles dias. Frio, corpo cansado resultante de uma segunda-feira cheia, cabeça doendo do salão que foi mesmo tarde porque não teria tempo para ir na terça. Aula às sete da manhã em um idioma que por mais que um certificado diga que você domine, o sono te vence. O café da manhã que não tomou porque não deu tempo e você já estava atrasada para o escritório, para um dia de trabalho e a lista de tarefas mais longa que a muralha da China, que você tem até o fim do dia para cumprir.

O frio fica pior no caminho para o trabalho, mas uma gotinha de gratidão aparece quando você encontra seus amigos e percebe o carinho. Contudo, você entra na sua sala e vê a pilha de atividades, vê o porta retrato com a imagem com uma frase escrita na sua cor favorita e em latim que o intelecto precisa ser alimentado por paixão, pensa então em toda sua pesquisa atrasada.

E em busca de dez minutos de fuga, entra numa rede social, mas ao invés de ver algum meme idiota, vê umas dicas de estudos, e em busca de mais dicas para otimizar mais ainda os míseros segundos da sua vida com o propósito de dar conta de fazer e ser tudo aquilo que precisa (ou acha que precisa) e visita o perfil do post original.

Ai de repente, ao descer o feed, a pessoa que você vê o perfil, se apresenta não só aquilo que você gostaria de ser, mas quem você PODERIA ser, se tivesse feito escolhas diferentes, se fosse corajosa o suficiente para arriscar, se soubesse esperar, se tivesse fidelidade com o que acredita, se soubesse um pouco mais da vida.

Ver-se é sempre mais doloroso que qualquer dor que outro possa te causar.

A maior prisão que pode existir é o “e se...?” o “e se...” não existe, é uma mera abstração, um refúgio para não encarar aquilo que se fez, as decisões que tomou, e assim poder fugir do exercício mais difícil que é se enxergar como vitórias e fracassos, como resultado daquilo que fez com o que fizeram de você, é assumir a própria culpa e ou admitir o orgulho que tem em ser quem é você.

Ver-se é sempre mais doloroso que qualquer dor que outro possa te causar.

Mas embora você tenha consciência de tudo isso, ainda dói no mais profundo ver suas idealizações não idealizadas, ver os sonhos construídos em castelos de ingenuidade se reduzirem ao pó da realidade. Dói dentro do peito e corrói ver que o tempo passou, e mesmo assim você se sente tão igual e tão diferente, antigos sonhos e novos sonhos, o tempo passa e fica igual, como areias do tempo, que ninguém sabe qual grão é o grão.

Porque afinal... ver-se é sempre mais doloroso que qualquer dor que outro possa te causar.

Tamyrys Hadassa
Enviado por Tamyrys Hadassa em 04/05/2021
Código do texto: T7247817
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