Palavras

Se eu pudesse por para fora tudo que sinto, vomitar em páginas meu tormento, digitar e digitalizar minhas angústias, medos, ansiedades e fracassos… Se pudesse pôr tudo de mim no mais rico texto, na mais bela poesia ou na mais envolvente prosa… Se pudesse esvaziar-me eficientemente estaria talvez pronta para ascender, transcender, deixar as cortinas fecharem-se em paz e quem sabe, munida de incerta divina eternidade, passar apenas a acompanhar esse espetáculo que escolhemos nomear de vida.

É que nem tudo que se sente se consegue por em palavras. O pensamento que se expressa em linguagem é ao mesmo tempo nossa amarra, impondo limites inflexíveis ao nosso pensamento tempo e quem nos compra grande liberdade, tornando possível a comunicação, esta que nos torna tão especiais, claro segundo nossos próprios critérios, frente os demais animais à nossa volta. Aprendemos, é certo, a viver com tal antítese. Tanto que nem sempre nos apercebemos dela, tanto individualmente quanto enquanto espécie. Mas não deixa a antítese de machucar quando, por coincidência ou consciência, precisamos transcender. Explicar o inexplicável.

Até hoje, o que de melhor surgiu para alargar essas claras margens verbais foi a poesia. Como uma imagem no tubo do televisor, as idéias, sentimentos e sensações vão sendo montadas através de pontos. Palavras que nem sempre se unem coesas para formar um sentido reto, mas para evocar no outro aquilo que torturava o poeta. Ah, aquele momento em que encontras a poesia certa para deixar exorcizar, expurgar nossos tumultos internos. Nossa coletânea de experiências que, sem as palavras certas não se podem tornar em pensamentos frutíferos, em objetivos palpáveis, em aprendizado útil.

Ah, o poder da palavra, grandiosa carrasca, amiga venenosa! Só ela, saída das pontas de meus dedos ou de minha pena pode me libertar, mas se recusa. Gigante e incompleta, regente e sempre em construção ela é a personificação perfeita do ser a qual pertence: inconstante, insuficiente, bela, intrigante, má, pungente, rica, esnobe, graciosa e inconsciente.

Saudades sinto da era da descoberta da língua, das adedanhas e toscos anagramas, dos cadernos de versos e papéis de carta com mensagens esdrúxulas. Dos gibis e dos livretos de banca, do primeiro sebo, do primeiro Casemiro, da primeira Telles, do primeiro Alencar. Época onde os mundos apresentados pelas palavras dos grandes mestres tinham a medida certa e mesmo bastante para colorir minha estrada. Hoje pareço ter caminhado demais. Ou vai ver esqueci-me de criar minhas próprias expressões e palavras. Ou, esnobe, apenas não consigo mais achar-me nos sentidos que a mim cabem mas que ignoro. Mas por dentro, pulsa como ferida purulenta minha alma amordaçada.

Monique Freitas