NO ALVO DA VERDADE

Cada vez mais estamos nos tornando numa civilização baseada no conhecimento e desfavorável à experiência com o tédio aumentando e o contentamento diminuindo, onde há sempre o perigo de falsas separações, como a divisão privada versus pública, informal versus formal, individual versus universal, justamente quando precisamos reunir tudo para o equilíbrio.

Acumular bens e riqueza não alivia necessariamente o tédio, que não tem nada a ver com o que se possui, pois o tédio e o contentamento não são quantidades, mas sim equações. A propriedade não enche o coração.

Contudo, o enfado não é totalmente mau, se o concebermos como um espaço para uma renovação, uma libertação, pois, nunca chegaríamos a nada de novo se não convivêssemos com o nosso vazio, sobretudo com os sentimentos vazios, algo que tornaria toda a nossa vida apenas num rearranjo do que já temos.

Com o advento da invenção da televisão e dos computadores, mídias sociais, jogos virtuais que entretém, ocupam o tempo e condicionam a mente das pessoas a lidar com cenários prontos nos quais só têm que apertar teclas e botões numa ação indireta, distante e sem envolvimento, sem a necessidade de imaginação, pois não se trata de experiência, as pessoas tornam-se muito aborrecidas e entediadas pela falta de envolvimento lidando com produtos prontos, com os quais só podem relacionar-se como proprietários.

O tédio é um fato intrigante da vida nas sociedades industrializadas modernas. Apesar de a nossa avançada educação e aprendizagem, o modernismo está produzindo um vazio do coração, pois, não nos relacionamos com o que temos. Como é que num mundo tão cheio de coisas e eventos emocionantes estamos agora mais sujeitos ao tédio do que nunca?

A saturada transição nos valores da sociedade do modernismo fundamentado nas ideias holistas baseadas num desejo de certeza e absolutos, para o pós-modernismo visto como positivismo na ciência para além do reflexo da sua relação com o ser humano de uma forma passiva, numa consciência crescente da diversidade drástica e da virtual vastidão das diferentes formas culturais que sustentam sociedades e indivíduos, afirma mudanças relacionadas com as artes e a ciência na história da cultura, onde a identidade não é unitária ou essencial, apesar da diferença e uniformidade, resultando numa reação contra o realismo.

Apesar dos avanços culturais, a modernização e toda comodidade alcançadas, uma insatisfação e o sofrimento praguejam as pessoas. O que nos falta? Qual é a razão para sofrermos?

O imenso patrimônio cultural de uma sociedade católica romana, protestante, ortodoxa, ou comunista, deixa uma marca nos valores que perduram apesar da modernização, onde as dessemelhanças entre os valores mantidos pelos membros de diferentes religiões dentro de determinadas sociedades são muito menores do que as distinções entre países.

Nossa crença num Deus todo amoroso e todo-poderoso que ama-nos infinitamente mais do que nós nos amamos uns aos outros, é entendido no paralelismo de amarmos uma pessoa, para quem queremos o que é verdadeiramente bom para ela, o que a faz mais perfeitamente feliz. Porque é que Ele permite todo o sofrimento que experimentamos nesta vida? Tal concepção torna o sofrimento desta vida atual estranho, desconcertante, até aparentemente contraditório. Estamos sendo castigados por Deus por alguma coisa?

Sendo esta, uma das questões mais antigas do mundo, a perguntaram a Jesus algumas vezes. "'Rabino, quem pecou, este homem ou os seus pais, que nasceu cego?'". Jesus respondeu: "Nem este homem nem os seus pais pecaram; ele nasceu cego para que as obras de Deus se revelassem nele". (João 9,3); (Lucas 13). Esta aproximação de Jesus, era uma abordagem inovadora naquele tempo, pois, durante séculos, a atitude das pessoas no Antigo Testamento foi a de que o sofrimento era um castigo pelo pecado. Atualmente, ainda ouvimos alguns cristãos fundamentalistas a repeti-lo.

Mas, mesmo os cristãos centrais agarram-se à ideia de sofrimento como castigo. Vejamos a doutrina católica do Purgatório, onde algumas almas sofrem durante algum tempo antes de entrarem no céu. Isto, apesar de que a palavra "purgatório" signifique "purificação", poderíamos ver o sofrimento também nesta vida como purificação. Porém, este mundo é o lugar da criação de almas. Se podemos sofrer graciosamente, sem queixas ou culpas ou autocomiseração, o nosso sofrimento é um caminho para Deus.

Não há resposta para a pergunta "porque sofremos". Demais, uma resposta não passa de um arranjo de palavras para satisfazer a necessidade da mente de uma imagem clara. As respostas são importantes em muitas situações quando o nosso sofrimento é auto induzido. Porém, nunca satisfazem plenamente uma pessoa que está sofrendo profundamente.

Jesus é a resposta de Deus à nossa situação humana. Deus não podia ficar à distância do nosso sofrimento: a Palavra tornou-se carne em Cristo e viveu entre nós, não apenas provando o nosso cálice de sofrimento, mas bebendo-o. Então Deus ressuscitou-o da morte em "a surpresa da Ressurreição". Foi uma surpresa, um ato da vontade graciosa do Pai, não uma resposta ou uma solução.

J Starkaiser
Enviado por J Starkaiser em 15/04/2021
Reeditado em 17/04/2021
Código do texto: T7233048
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