Minha infância na escola
Hoje estava me lembrando dos professores que tive e do que aprendi com eles. Vivi minha infância durante a ditadura militar, e naquela época o lema era: Mantenham as crianças na escola, ensine o básico, mas não permitam que elas questionem, pois não queremos adultos com pensamentos críticos, queremos apenas que eles saibam ler e escrever para poder operar uma máquina na fábrica, limpar as ruas, o chão que pisamos, obedecendo ordens, sendo servil, enfim: operário. Não importa também, se ele era rico ou pobre, convivíamos todos na mesma classe. E as diferenças eram gritantes. Lembro-me que eu era tão pobre e pertencia a "Caixa", hoje sei que era um programa do governo na época para os pobres, nessa época eu não sabia, achava que talvez fosse uma caixa específica de onde eles tiravam cartões com cores diferentes. Não lembro a cor do meu, mas sei que para os mais abastados era diferente, e a comida também. A nossa era sempre sopa: de fubá, de macarrão com batata, de vez em quando era sagu com vinho, eu odiava. Dos ricos eu não sei, nunca pude entrar na fila deles, era a segregação da época. Tínhamos aulas aos sábados, eu adorava ir nesse dia, não pelas aulas, mas porque tinha a comida mais rara para mim que sou amante de doces: Pão com leite condensado, a marca não sei, só sei que era bom, pena que era só um. Os professores ensinavam mesmo, não entravam em greve por salário, pois se o fizessem seriam sumariamente demitidos, era a ditadura, você não tinha direitos, o medo é um grande motivador.
Não sei se era por isso, mas alguns deles descontavam nos alunos suas frustações. Como eu sempre falei muito, e quando digo muito, quero dizer "pra caramba", de vez em quando levava uns tapas que deixavam o rosto vermelho. Dona Lúcia, uma senhora obesa, de nariz grande e olhos furiosos adorava bater. Era doído, era humilhante, era decepcionante, e fazia com que você imaginasse a professora pegando fogo, ou sendo atropelada por um trem (nada demais para uma garotinha de 8 anos), mas isso não me desanimava e na primeira oportunidade voltava a falar. Tinha um aluno negro na classe, sapeca e muito falante, era alvo constante da professora. O coitado chegou a levar uma pancada com o molho de chaves. Deve ter doído muito porque ele despejou nela toda sorte de palavrões que uma criança naquela idade sabia de cor. Não deu outra, foi para a diretoria. Eu ia na escola debaixo de chuva, porque não tinha guarda-chuvas, ia sem sapatos porque não tinha, com minha bolsa de couro marrom fornecida pela escola no primeiro dia, dentro tinha um caderno brochura, um lápis, uma borracha e uma caixinha de lápis de cor com 6 lápis, tinham que durar o ano todo. Eu gostava muito da escola, apesar de tudo, principalmente quando era o dia de escolher dois livros e os levar para ler em casa. Pena que eram só dois, sempre amei os livros. O que me lembro também era que os alunos ricos, nunca me fizeram bullyng, tinha lá uma chatinha, que vinha tão arrumadinha e limpa que parecia uma boneca barbie, ela me olhava de cima e torcia o nariz quando passava perto simulando sentir um mau cheiro repentino, mas era só isso, estávamos sendo observados o tempo todo. Também desejei que aquele cabelo perfeito caísse junto com sua pose, mas isso passou. O tempo cura tudo e nos faz entender até os mais imbecis. Mesmo assim, agradeço a todos os educadores, todas as pessoas que ensinam, de uma forma ou de outra, sem interesses, por pura paixão e vocação, que fizeram parte de minha vida, ou não, contribuindo para o que sou hoje.