A Dor Diaria

A dor diária de constatar a própria insignificância do mundo, de ver em si a subsolo, o ser flagelado e acoitado pelas próprias escolhas, pela própria falha de escolhas incontáveis de essência medíocre.

Quem sou eu senão esse acumulo significante de horrenda mediocridade da qual não consigo agora desvanecer, desapegar, pois incrustado estou essencialmente vinculado?

Não há saída, não há redenção, não há movimento possível que altere essa dinâmica.

Me olho no espelho e não mais me reconheço, não vejo mais beleza, não vejo mais alegria, nessa inconstante existência.

Fratura exposta pelo que deveria significar, pelo que deveria ser o meu eu, mas que não alcança a realidade, nessa abstração criada, nesse conto de fadas que eu mesmo criei, que me enganei diante do que deveria ser o mais próximo do perfeito.

Não há mais saída senão a vergonha de existir, de me esconder pela escuridão da existência daqueles que me conheceram um dia, de não rever o que poderia ter sido, de sofrer em silencio e viver cada dia sem pensar, sem recorrer a sonhos algum, pois dormir é melhor do que viver, sonhar na esperança e viver no sofrimento.

Assim não consigo mais olhar meus filhos sem perceber a herança maldita que lhes estou promulgando, essa falha minha e somente minha da existência, totalmente vinculada a esperanças que não mais tenho.

Como quero que eles sejam felizes, mas como sei que o impossível esta diante da existência dessa prole que não perceber que seu ancestral é culpado pelas falhas adquiridas, que esta no seu DNA o problema do belo, do humor e da fadiga.

A preguiça que sobrepõe a vida, e sono que sonha o impossível diante da vida de impossibilidades existentes pela falta de viver.

Não há assim esperança, não há saída, pois nem mesmo pensar na morte é possível, pois ate a falha de caráter de não decidir acabar com o meu eu diante da felicidade possível deles eu consigo.

Nem assim, nem mesmo no fim dessa percepção consigo não pensar apenas no meu eu, nesse egoísmo constante, nessa vida fajuta que eu mesmo trilhei.

Quem sou senão o fracasso, a constante constatação do fracasso, do alcance impossível em comparação aos meus iguais, ao alcance impossível daqueles que eu acreditava serem inferiores, pois assim sou o inferior do inferior, o subsolo latente de existência, sem admiração de ninguém, sem alcance, sem amor, sem amizade, sem nada que possa me segurar ao bem.

A chama da fe se arrefece a cada dia, a cada momento, a cada tristeza, mesmo quando tento afirmar a mim mesmo que tenho fe, sei que estou enganado, sei que a fe não é dita é vivida e assim não há tenho de verdade.

A razão deveria ser meu caminho, mas mesmo amando a filosofia, me vejo fraco, prefiro o sono, a preguiça, o sacrilégio da ignorância do que obter conhecimento de meu próprio desespero inalcançável.

Sonhos com glorias e vivo derrotas!

Sou a repetição, o que leva daqui para la o que ouviu, não há inovação, não há conhecimento em construção, há apenas a repetição do papagaio propagado como gênio.

Quero tanto, busco tão pouco, todos os meus detratores me conhecem mais do que eu mesmo posso me conhecer, aqueles que fugiram estão corretos, aqueles que ficam tenho dó, pois não estou a altura de sua existência.

Sofro segundo a segundo essa dor, esse desespero advindo da angustia, de que vale conhecer os caminhos do que sinto sem entender o processo para sair dele?

Não há sistema possível, não há regra possível, só há algo que mesmo tentando dificilmente terei êxito em alcançar, a fe, que deveria me acompanhar, que deveria me alcançar, foge por entre meus dedos a cada segundo, a cada momento.

Me agarro justamente naquilo que escorre por minhas mãos, naquilo que não tem mais solidez, naquilo que não tem mais explicação.

Sei da existência de deus, disso não tenho duvida, mas não consigo vivencia-lo, não alcanço a possibilidade do sujeito, não tenho esta capacidade.

Queria chorar diante da percepção de que sou obra de deus, e por mim destruí esta obra que deveria ser tão maravilhosa.

Acabei com tudo, não há reconstrução.

Do fundo do poço, tento cavar ainda mais fundo aquilo que sou, não quero mais evoluções ilusórias de existência, quero conhecer o limite, o fio que afronta o bem e o mal.

Quero a cada momento o desastre, pois não consigo lutar contra isso.

Em essência sou isso, mesmo não querendo, a busca constante do desastre, o medo limítrofe da perda.

Sou assim a cada abrir de olhos pela manha!