[ESPECIAL] Entre a Vida e a Morte
Nascemos. Crescemos. Morremos.
Tudo tão rápido, tudo tão repetitivo, tudo tão esperado. A vida é assim. Se existe um sentido lógico para ela seria esse, o do ciclo interminável a qualquer ser vivente que precisa obedecer a essas etapas. Conosco, seres humanos, nunca foi, nem será, diferente. Um belo dia chegamos a esse mundo, abrimos nossos olhos pela primeira vez, sentimos o toque das pessoas, ouvimos o som de suas vozes, e vamos desbravando todas as experiências que são corriqueiras na vida de um recém-nascido. O tempo passa. Aprendemos a falar, a reconhecer emoções, a desbravar os nossos próprios sentimentos, a identificar os nossos intrínsecos sonhos. Tentamos concretizar cada um dos nossos desejos. E, então, num revelador momento, sentimos a finitude do nosso corpo, o fim da nossa história, o inevitável desfecho que a todos alcança. Mas falar sobre a morte é de fato doloroso, preferimos nos ater aos momentos de pleno desenvolvimento, de vigorosa força, quando tudo parecia concreto demais para que pudesse ser interrompido. Contudo, é necessário. Todos temos angústias referentes à mortalidade humana, muitos de nós possuem salientes pavores quando esse é o assunto. Temem a dor, temem as circunstâncias, temem o esquecimento, temem a forma como deixarão as pessoas que um dia amaram. É natural. Não queremos que acabe. Mas pode ser perfeitamente suportável conviver com a ideia de um dia partir.
E é exatamente com isso que temos um contato íntimo e suave no livro “De Frente para o Sol”. Essa foi uma das minhas melhores leituras durante esses vinte anos de existência, dificilmente me esquecerei dos ensinamentos e das reflexões que obtive a cada parágrafo, a cada vírgula, a cada exemplo citado pelo autor que de uma forma brilhante e impactante desnudou aquilo que tentamos a todo custo encobrir. Nós vamos morrer. Convença-se disso. Ninguém escapa.
Dentre esses tantos aprendizados, talvez o que mais tenha me seduzido foi o incentivado por uma ideia que precisamos compartilhar e aderir em nosso caminho. Para morrer bem basta que vivamos bem. Entre a vida e a morte há um caminho a ser percorrido, para a maioria de nós será um caminho longo, cheio de tantas distrações ou atrativos, para outros será mais curto, efêmero, fato é que nossa única certeza se dá apenas nesses dois pontos: Vida (partida) e Morte (chegada). Não importa o quão cumprido seja esse caminho, importa que possamos fazer uma bela e tranquila viagem.
* Vivendo bem
Viver bem, ao contrário do que podemos imaginar, não é viver abastadamente, cheio de fortunas e folgas, repleto de bens e prestígios. Talvez essas coisas sejam agradáveis, talvez contribuam para que possamos ter uma boa passagem por esse mundo, mas não são suficientes, nem são a forma mais recomendada para uma vida plena e satisfatória, viver bem é viver a vida que nos pertence.
Contudo, somos rodeados por tantos pensamentos que minam nossas capacidades, por tantas opiniões que limitam nossos passos, por tantos palpites que colocam nossos sonhos em xeque. Somos bombardeados por recomendações e exigências que nos distanciam de nossa essência, de nosso propósito, daquilo que faz parte de quem somos, que tornaria nossas vidas mais enriquecidas. E, então, caímos na cilada de desperdiçar nosso tempo vivendo histórias, planos, que não são os nossos. Desistimos do nosso “eu”, assumimos uma personagem que não nos representa, tudo para que o alheio seja atendido em suas expectativas, tudo para que possamos nos livrar do fardo de decepcionar alguém. Escolhemos frustrar a nós mesmos.
Mas é inútil. É inútil perder uma vida inteira buscando agradar a pessoas que não se importariam em nos agradar, é tolice desperdiçar nosso precioso tempo tentando atender a expectativas que nunca se dão por satisfeitas, que sempre têm algo mais a acrescentar. É injusto deixarmos de lado a nossa chance de escrevermos um belo e inspirador livro para desempenharmos papéis em histórias escritas por mãos que não são as nossas. Viver fadado a uma vida que não nos pertence é um importante fator que acresce em nós a angústia da morte, o pavor de partir, uma vez que percebemos que não fizemos nada de extraordinariamente nosso, que não deixaremos uma marca autêntica para as próximas gerações.
Nosso medo é de ser esquecido. Só seremos esquecidos se não vivermos de verdade.
Portanto, é necessário silenciarmos o mundo ao nosso redor. É necessário ignorarmos os palpites esbravejados aos nossos ouvidos. E daí que esperavam mais de nós? E daí que já tinham uma imagem formada sobre quem seríamos e o que conquistaríamos? E daí que frustramos suas expectativas? Cada um deve se responsabilizar por sua própria felicidade, por sua própria plenitude, pela realização do próprio projeto. Não podemos colocar nas costas dos outros a responsabilidade pelo nosso sucesso, nem podemos aceitar que nos sobrecarreguem com seus próprios anseios. Ninguém deve viver por ninguém. Podemos conviver, conquistar as coisas juntos, podemos até mesmo lutar uns pelos outros, nunca apenas um pelo egoísmo do outro.
Viver bem é viver a própria história, é experimentar os próprios prazeres, é exibir o próprio sorriso. Viver bem é entender que não estamos aqui para agradar este ou aquele, estamos aqui para alcançar a nossa própria evolução e ela só será possível se formos autênticos o bastante para com a nossa essência, para com aquilo que acreditamos, para com as coisas que desejamos. É nesse caminho entre a vida e a morte que podemos escrever uma história surpreendente que será lida e relida sempre despertando o melhor nas pessoas.
* Um pouco de nós
E nesse processo de encontro com quem somos, quando finalmente nos libertamos das amarras impostas por aqueles que nos rondavam, podemos propagar a nossa mensagem. Sim. Uma das formas apresentadas pelo livro para que possamos experimentar a angústia da morte de uma maneira suportável é através da propagação. Yalom se refere à propagação como “o fato de que cada um de nós cria – muitas vezes sem conhecimento ou intenção consciente – círculos concêntricos de influência que podem afetar terceiros por anos, até mesmo por gerações”. E conclui que “propagação quer dizer deixar para trás algo de sua experiência de vida; uma peculiaridade; um pouco de sabedoria; orientação; virtude, conforto deixado a terceiros”.
Percebe? Desde que vivamos bem, desde que vivamos uma vida realmente nossa, não precisamos temer a finitude porque ela não necessariamente será o nosso fim, talvez seja físico, mas nossa mensagem, nossa essência, aquilo que pudemos ensinar aos outros através da nossa autenticidade permanecerá por muito tempo, as pessoas se lembrarão de nós como um grande exemplo de superação, de inspiração, de pleno viver, isso porque simplesmente fomos quem somos.
* De frente com a morte
Infelizmente muitos só percebem tarde demais o erro que estão cometendo ao renunciar a própria vida. Outros terão a sorte de reconhecer isso quando ainda há tempo para correção. Passam pelo que é chamado no livro de “experiência reveladora” que, de acordo com o autor, se refere à “confrontação com a morte que enriquece a vida”. Ou seja, experimentam algo em suas experiências que os fazem identificar a possibilidade da morte, seja a partida de alguém próximo, seja os aniversários que marcam grandes passagens do tempo ou episódios traumáticos de doenças que colocam à luz a fragilidade do corpo humano e, então, confrontados com a revelação da finitude, conseguem entender que tudo é tão rápido, passageiro, que não podemos deixar de lado a realização de nossas intenções achando que um dia teremos tempo de vivê-las. Esse um dia pode nunca chegar.
O ideal é que jamais precisemos ser encarados por uma verdade tão insensível e marcante quanto a verdade da morte. Que possamos ter a consciência dos nossos limites antes mesmo deles se apresentarem. Quanto mais cedo nos acostumarmos com a ideia de que um dia deixaremos tudo para trás, mais cedo seremos enriquecidos pela sabedoria do bem viver. Mais cedo evitaremos brigas injustificáveis, mágoas imaturas, separações evitáveis. Mais cedo aprenderemos a expor os bons sentimentos que as pessoas despertam em nós, mais cedo exerceremos nosso senso de gratidão diante da vida e mais cedo nos permitiremos à única chance que nos foi concedida para fazermos uma tranquila e marcante passagem por esse mundo.
* Tranquilamente desafiador
Não confunda vida tranquila com vida vazia de dificuldades ou desafios. Uma vida sem emoções, sejam elas negativas ou positivas, não valeria e pena de ser vivida, pois são as emoções que nos fazem nos sentir humanos, que nos afetam e despertam em nós sentimentos agradáveis. Uma vida bem vivida implica em vida recheada de situações conflitantes, quando precisaremos ser firmes em nossos propósitos para evitarmos que as pessoas controlem os nossos passos e pensamentos. Uma vida bem vivida é uma vida que exigirá de nós esforços altíssimos para solucionarmos problemas, ou, quando estes não puderem ser resolvidos, que exigirá de nós inteligência e flexibilidade o bastante para que possamos nos adaptar à nova realidade. Uma vida bem vivida é uma vida na qual as dores e os erros servem de lições e aprendizados para que possamos acertar o máximo possível.
A vida bem vivida não é a vida perfeita. Mas é tranquila. Tranquila no sentido de despertar em nós a sensação de dever cumprido, de missão completa, de potencialidades desenvolvidas. Quando morrermos não nos arrependeremos pelas coisas que deixamos de viver, como é citado em outro livro, “Dez de Dezembro”, ao contrário, estaremos satisfeitos pelas oportunidades que aproveitamos, pelos sorrisos que despertamos e pelos prazeres que saboreamos sendo quem somos, vivendo a vida que nos pertence. De fato descansaremos em paz. Uma paz serena, visceral, espiritual, paz com a vida, paz com as pessoas, paz com aquele que surge no espelho quando nos olhamos nele. Paz por termos compartilhado amores, causado bons afetos, por termos conquistado nosso espaço nos corações das pessoas, por termos despertado a admiração de tantas outras, por termos motivos o bastante para nos orgulharmos de tudo aquilo que tivemos a liberdade de escrever. Paz por saber que não nos permitimos à prisão de uma vida regrada por expectativas sobre as quais nunca pudemos palpitar ou sugerir, expectativas que precisavam ser atendidas, não por nós, mas, sim, por quem as criou.
Sugiro fortemente a leitura do livro “De Frente para o Sol” de Irvin D. Yalom, nele você terá uma franca conversa sobre a morte e espero sinceramente que possa chegar à mesma conclusão que eu: entre a vida e a morte há um caminho inteiramente nosso, reservado aos nossos passos e caminhar, aos nossos riscos e rabiscos, aos nossos erros e acertos, um caminho que pode nos levar um destino de satisfações, um destino construído a cada dia, basta que sejamos autênticos, sinceros conosco mesmos e fortes o suficiente para retirarmos dele os galhos e pedregulhos que foram colocados por terceiros. Viva a sua vida. Que cada um possa viver a sua própria história!
(Texto de @Amilton.Jnior)
Nota: Para a produção dessa publicação o livro De Frente Para o Sol, escrito por Irvin D. Yalom, foi consultado.