Ouvir para Falar

Rubem Alves certa vez expressou que “a fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta”. E é exatamente assim. Só conseguimos impressionar alguém com nossas palavras, tocá-lo com nossos pensamentos, se antes o ouvirmos, prestarmos atenção em sua própria fala, no conteúdo que está presente em seus desabafos, em suas declarações, em suas convicções. É só então quando conseguimos compreender alguém em sua essência, no sentido de realmente ouvir o seu coração, é que conseguimos dizer algo que possa contribuir. E às vezes essa fala não acontece através das palavras. A partir do que ouvimos, daquilo que o outro a nós confiou, podemos concluir que ele não precisa ouvir discursos ou sermões, apenas um abraço, é tudo o que deseja, é tudo o que necessita! Mas isso só acontece, o bom e transformador diálogo humano só ocorre, quando conseguimos nos conectar com o outro, desvestindo-nos de nossos próprios juízos, afastando-nos de nossos próprios barulhos para que, em silêncio, o recebamos plenamente sem condições, sem imposições, permitindo-lhe ser ele mesmo.

Esse tipo de atitude é muito comum nas psicoterapias, quando o psicoterapeuta empresta seus ouvidos para que a pessoa diante dos seus olhos consiga expressar aquilo que incomoda, angustia, acelera o seu coração. E uma vez começado a falar, percebendo que não é criticado ou condenado por aquilo que manifesta, o outro ser humano se sente cada vez mais encorajado a desnudar sua alma, a revelar sua essência, a dizer sem medo quem é e o que quer conquistar nessa efêmera vida. A partir da escuta tão despretensiosa, tão digna, tão privilegiada, o psicoterapeuta acolhe aqueles sentimentos todos, recebe em seu íntimo todo aquele discurso, sem se exaltar, sem se espantar, reconhecendo que faz parte de quem o outro é. Através dessa escuta silenciosa, que não necessariamente se refere à escuta sem intervenções no sentido de também falar alguma coisa durante a conversa, mas que com certeza se refere a uma escuta sem qualquer desejo de sentenciar, de julgar, de encaixar em caixinhas predefinidas, o psicoterapeuta tenta mostrar a outra pessoa quem ela é, usando suas palavras, sua história, aquilo que ela mesma trouxe naquele momento no qual pôde ser ela mesma. O outro agora tem a chance de se ouvir, de se enxergar refletido em alguém que o acolheu, que o escutou, que não se cansou daquilo que considerava ser um drama. Essa fala que advém de uma escuta silenciosa permite ao outro que se encontre consigo mesmo, que se conecte consigo mesmo, que finalmente consiga entender a si mesmo.

Será que conseguimos repetir essa prática nas nossas vidas cotidianas? Será que os psicoterapeutas são dotados de algum poder superior ou sobrenatural que os transformou em ouvintes tão assíduos? É provável que não. É claro que eles dedicam boa parte de suas vidas em estudos e treinos que aperfeiçoem seu modo de escutar, de estar presente com a outra pessoa, mas além dessa preparação “técnica” eles devem possuir um desejo genuíno de ouvir o sofrimento das pessoas e de alguma forma estender a elas sua ajuda. Se esse desejo, tão pura e realmente humano, existe dentro de homens e mulheres psicoterapeutas, feitos de carne e osso, dotados de uma essência humana, nós, “sujeitos comuns”, também podemos possuir essa habilidade, desde que nos desvistamos de nossas imposições para oferecermos àqueles que nos cercam uma escuta silenciosa. E eu repito. Essa escuta não é muda, não é apática, não é desinteressada. Quando falamos de escuta silenciosa falamos de uma escuta que não discrimina, que não vocifera a partir de seus próprios valores, a partir da sua própria experiência, mas que se oferece a ouvir o outro a partir da sua própria experiência, com a intenção de entendê-la da maneira mais fiel que for possível. Conseguimos oferecer esse tipo de escuta às pessoas? Ou será que quando elas começam a falar já dirigimos os nossos conceitos e preconceitos? Esse é o problema. A gente não consegue simplesmente ouvir para entender. Queremos ouvir para palpitar, para dizer o que é moralmente certo e o que é errado quando, na verdade, tais direções são completamente relativas. A moral é relativa ao tempo, à época, não deveria ser utilizada como uma régua quando nos dispomos a ouvir alguém. Ética é o segredo. Ética é permanente. Ética no sentido de respeitar e valorizar a vida humana com todas as suas particularidades. Você é ético ao ouvir alguém? Consegue ouvi-lo sem fazer com que ele se sinta mais desanimado e confuso do que antes de confiar e revelar suas inquietações? Podemos contribuir para o bem-estar das pessoas, desde que saibamos ouvi-las.

Mas também precisamos saber ouvir a nós mesmos. Dificilmente a gente se ouve. Ouvimos os outros, recebemos as pregações dos outros como regras imutáveis, como soluções infalíveis, como direcionamentos inequívocos. Mas o que eles sabem da nossa experiência de vida? O que eles podem de fato entender quando falamos a partir de nosso lugar? Eles não conhecem as nossas feridas como nós conhecemos, eles não conhecem as nossas dores como nós as sentimos, eles não conhecem os nosso sonhos como nós os sonhamos. E se eles nunca nos permitirem dizer a partir de nossas próprias palavras, se eles nunca se prestarem a nos ouvir sem pretensões de julgamento, então nunca poderão ter o direito de virem com a desculpa de que precisam dar um conselho. Mas nós sabemos quem somos. De onde viemos. Para onde queremos ir. Conhecemos os nossos desejos, os nossos projetos, as nossas potencialidades e as nossas limitações. Precisamos de silêncio para nos ouvir. Silencie o mundo. Silencie os brados ignorantes que nada sabem da sua vida, das suas escolhas, do seu valor. Agora escute a voz do seu coração. Não se julgue. Nem se condene. Não se acha certo ou errado. Não se considere esperto ou ingênuo. Não desmereça a sua força, mas também não subestime a sua capacidade. O que você tem a dizer a si mesmo? O que você deseja? O que você sente? O que você pensa? O quanto você realmente se conhece? Quem é você? Se tem dificuldade para responder a essas perguntas permaneça em silêncio e desfrute das possibilidades da vida. Viva sem medo. Viva sem receio. Apenas vida saboreando cada experiência, permitindo-se a cada sensação, aprendendo com cada incômodo e se reconfortando a partir de cada prazer. Erre quantas vezes precisar. Acerte sempre que conseguir. Permita que a magia da vida percorra todo o seu corpo. E então se ouça mais uma vez. Quem é você? E então fale consigo mesmo. Jamais se esqueça de que uma escuta silenciosa é a responsável por uma fala bonita.

(Texto de @Amilton.Jnior)