Os óculos da filosofia
Vinicius: Esta praça nunca muda. Sempre as mesmas coisas. Eu não sei como você não se cansa de vir aqui, pra olhar essas árvores, de novo.
Josué: Eu nunca te contei o motivo?
Vinicius: E tem um motivo específico?
Josué: Porque você acha que eu venho tanto aqui?
Vinicius: Não sei. Pra mim não faz sentido. Não tem nada pra ver aqui, que você já não tenha visto várias vezes
Josué: Bom, depende. Pra você, sim! Pra mim, não. Depende do ponto de vista
Vinicius: Você não me chamou aqui pra termos uma conversa de auto ajuda, né?
Josué: Não, dessa vez não. Eu digo que, literalmente, depende de como você observa as coisas. Pra você, é tudo igual. São as mesmas árvores, os mesmos bancos, o mesmo espaço. E realmente, nada mudou, com relação a isso.
Vinicius: Então, você assume que veio aqui, olhar pra mesma paisagem, todas as vezes? E que nada mudou?
Josué: Sim! Mas pra mim, essa paisagem é surpreendente. Olha só essas árvores.
Vinícius: O que tem as árvores?
Josué: Você já parou pra pensar, no que são as árvores? Já parou pra refletir que neste mundo, existem coisas tão magníficas, e que, as mais magníficas, são aquelas que nós não criamos?
Vinicius: Não sei se eu estou entendendo o que você quer dizer.
Você está falando sobre a natureza?
Josué: Sim! Mas não só isso. A questão é que essa mesma árvore, já deve ter sido motivo de alegria para várias crianças, por conta de seus frutos, por exemplo. Essa mesma árvore que nós costumamos desprezar, por considerá-la comum, sem importância. E há tantas outras como essa, espalhadas pelo mundo, largadas no esquecimento, apenas por serem quem são. Uma árvore não pode deixar de ser uma árvore. E é justamente por se manter como árvore, que ela se torna desprezível. Existem muitas outras iguais a ela. Mas se só existisse ela, seria diferente.
Vinicius: Entendi. Mas essa conversa está muito viajada. Todo filósofo é assim mesmo?
Josué: Não sei, não conheço muitos, pessoalmente. Eu te trouxe uma coisa...
Vinícius: Um par de óculos? Pra que?
Josué: Coloca aí, você vai ver.
Vinícius: Tá… O que é isso?... Como você… onde você comprou esse negócio? Nossa! Peraí… a grama tá rosa! Cara. A árvore tá… azul? Isso muda a cor de tudo?
Josué: Sim. É um óculos com uma tecnologia diferente, ele altera as cores das coisas.
Vinicius: Cara! Se eu tivesse um desses, eu iria sair na rua que nem um louco, olhando pra todo lado
Josué: Então, é mais ou menos assim que os filósofos tendem a enxergar o mundo. Te trouxe esses óculos, pra tentar te mostrar isso.
Vinicius: Filósofos são daltônicos?
Josué: Hum... acho que a gente pode dizer que sim. Porém, neste caso, nós é quem escolhemos trocar as cores daquilo que vemos. Essa árvore, é a mesma árvore de sempre. Nada mudou. Mas você está olhando pra ela há dois minutos, somente porque está a vendo com cores diferentes.
Vinícius: Verdade. Não é todo dia que eu pego num óculos "mágico".
Josué: Pois é. Mas se você enxergasse o mundo sempre desta maneira, provavelmente enjoaria de olhar para árvores azuis, da mesma forma que enjoou de olhar para essas árvores.
Vinícius: Sim. Acho que você tem razão.
Josué: Mas agora que você colocou os óculos, você pode imaginar como seria se as árvores tivessem outras cores. Ou se a grama tivesse outra cor, e assim por diante. E daí, eu me pergunto:
"porque as árvores são da cor que são?"
Você pode me explicar cientificamente, o motivo da coloração se manifestar desta maneira, a partir de processos evolutivos. Mas, o que impediria, que na formação deste mundo, no lugar de árvores com essa cor, passassem a existir árvores azuis? E seguindo esse raciocínio, o que impediria que, no início de tudo, o nosso mundo, nosso universo, fosse completamente diferente deste? Tão diferente que sequer conseguissemos conceber a que nível se daria essa discrepância?
Nós somos, o que aparenta se mostrar como apenas uma das possibilidades concebíveis, da existência. E isso torna tudo muito especial e interessante
Vinícius: Eu nunca tinha pensado nessas coisas. Na verdade. Mas faz sentido. Então, essa ideia de enxergar o mundo, diferente, vale pra tudo?
Josué: Acredito que sim. Quais os seus sonhos para o futuro?
Vinícius: Ultimamente eu só penso em ficar bem. Em acordar um dia e poder respirar sem esse peso.
Josué: Podemos dizer que esse é o seu sonho, agora.
Vinícius: Como assim?
Josué: Já parou pra pensar que nós estamos vivendo o sonho de alguém? Neste momento?
Vinícius: De que jeito?
Josué: Alguma pessoa neste planeta, tem o sonho de poder estar num lugar tranquilo, apenas observando as árvores enquanto conversa com um amigo.
Alguma pessoa também, tem o sonho de poder caminhar até aqui,com seus próprios pés. Alguma pessoa tem o sonho de poder ter mais tempo. De comer um prato de comida, de ter uma casa pra morar, etc...
E o que será que separa os sonhos dessas pessoas, dos nossos? Ou dos de alguém que sonha em ficar bilionário? Ou ter um carro, uma casa…?
Vinícius: Eu não sei.
Josué: Eu acredito que, o que separa os nossos sonhos, é apenas a perspectiva.
Muitas vezes, passamos a vida toda sonhando com o futuro, e acabamos nos esquecendo do que tudo à nossa volta, pode ser um sonho presente. No fim, todo sonho é um sonho. O que muda é a necessidade e a importância Que damos aos nossos objetivos de vida.
Então, às vezes eu coloco uns óculos imaginários, parecidos com esses que você está usando. E fico pensando em quantos sonhos eu já alcancei, ao em vez de pensar nos sonhos que ainda aguardam.
Vinícius: É, olhando dessa forma, eu devo estar vivendo o sonho de muitas pessoas. Mas é realmente estranho pensar que alguém sonha com algo que eu tenho, pra mim, ainda me falta tanto. Mas agora, eu nem sei se ainda me falta alguma coisa. Como algumas pessoas podem se contentar com objetivos tão pequenos?
Josué: Eu vou fazer o seguinte, vou te dar esses óculos "para daltônicos", de presente. E aí você vai poder colocá-los, quando quiser. E tenho certeza que eles vão te ajudar a pensar sobre esses questionamentos.
Vinícius: Obrigado, amigo. Você sempre me anima, não é? Eu não esperava entrar num questionamento filosófico, hoje. Mas pelo visto, a vida é cheia de surpresas
Josué: E então, quer ir embora?
Vinícius: Não, vamos ficar mais um pouco.