[ESPECIAL] O Amor Está em Extinção - Poderíamos sobreviver sem o mais nobre dos valores humanos?
Falar sobre amor implica fazer um mergulho dentro de nós mesmos, identificar nossas experiências com tão grandioso sentimento que inspirou maravilhosos poetas a versejarem artisticamente. Todos sabem o que é o amor, ou então imaginam o que significa esse sentimento denominado por uma palavrinha tão pequena, mas de significado e essência imensas. Como disse Platão, “ao toque do amor, todas as pessoas se tornam poetas”.
Mas não me refiro apenas ao amor romântico, aquele que embriaga os apaixonados, que arranca suspiros, que causa formigamentos no estômago e que arrasta multidões às livrarias ou aos melhores cinemas. Esse é apenas um tipo de amor. Há muitos outros sobre os quais precisamos refletir, precisamos pensar e reconsiderar a forma como os interpretamos ou vivemos. É o amor de amigos, o amor de pai para filho, o amor de irmãos e até o amor fraterno, aquele que temos pelos nossos semelhantes sem nem ao menos tê-los vistos em alguma época de nossas vidas, o amor que nos motiva e estender a mão a um desconhecido, o amor que nos causa dor quando vemos injustiças.
Ou deveria causar dor.
Talvez você concorde comigo, talvez não, não tem problema, o importante é que nos parágrafos a seguir você possa ter um momento de reflexão, de entendimento, que você pare para analisar a forma como temos vivido nossos amores nesses últimos tempos, tempos nos quais parece que o ódio irracional (não que algum tenha razão para existir) tem se proliferado como uma epidemia, tempos nos quais a soberba humana tem se sobreposto às atitudes como compaixão, empatia e compreensão. Vivemos tempos nos quais as pessoas parecem ter se perdido na filosofia do amor, esqueceram como se ama ou nunca aprenderam o que é amar. Tempos nos quais a dor do outro já não incomoda tanto, a dificuldade do outro não é vista como nosso problema, tempos em que apenas o nosso “Eu” quer ser notado e acariciado. Nosso comportamento nesses últimos tempos tem sido de um egoísmo intenso e profundo. Parece não existir mais espaço para a paz dos afetos humanos. Aos meus olhos o amor está em extinção, tem dado lugar a contendas e segregações, já não somos um só, somos vários uns, como se estivéssemos todos em nossas próprias ilhas ignorando o fato de compartilharmos o mesmo mundo.
>> Amor incondicional
Incondicional quer dizer sem condições, sem “mas”, sem “poréns”. Incondicional vai além de qualquer razão, vai além de qualquer motivo, o que é incondicional apenas existe e persiste. Sim, persiste. Muito se fala sobre o amor incondicional de uma mãe pelos seus filhos, são capazes de tudo por amá-los, são até mesmo capazes de castigá-los mesmo que doa em suas almas, tudo por amá-los e por a eles quererem o melhor que a vida pode oferecer. Para o que é incondicional não há limites, ao menos não deveria haver.
Mas o que temos visto no seio de nossas famílias? Elas têm resistido a esses tempos de puro egoísmo e mesquinharia? Ou será que um projeta no outro a sua verdade sobre a vida e exige que tal verdade seja vivida de maneira inquestionável? As pessoas dentro de uma mesma casa se respeitam e se compreendem a partir da forma como cada um pensa e vive? Eu acho que não.
Em muitas famílias há a ideia de orgulho, um pensamento que, na minha concepção, apenas traz prejuízos à estrutura familiar. Muitos pais, na ânsia de verem seus filhos felizes, projetam a própria felicidade nesses seres que são independentes, que são autônomos, que possuem o direito de decidirem sobre as próprias escolhas. Idealizam uma vida, num primeiro momento os convencem de que é o melhor, de que devem viver uma realidade que nem ao menos foram questionados se aceitariam ou não. Mas os anos passam. Os filhos crescem e, então, surgem as decepções e o amor incondicional, lindo de se falar, de se imaginar, não passa de uma ideia longínqua e abstrata da realidade de muitos.
Decepção a quem é contrariado, revolução para quem se liberta.
Ao crescerem, descobrirem o que é o mundo e as infinitas possibilidades do existir, esses jovens descobrem, também, quem de fato são, com quais pessoas realmente querem se envolver, qual profissão querem seguir, quais escolhas querem fazer e quais experiências precisam viver. Precisam porque cada um tem o seu caminho, tem a sua missão, acredito muito na máxima de que cada um tem a sua própria história e se tentamos impor o nosso enredo sobre os outros tudo o que causamos é dor e sofrimento, o outro não se enquadra, sente-se culpado e fazemos questão de exibir um desapontamento por uma expectativa que não é do outro, mas nossa.
Esses jovens, então, optam por um dentre os dois caminhos que são impostos como possíveis: viver uma vida infeliz ou, numa concepção injusta e infundável, magoar aqueles que dizem “eu sempre fiz tudo por você”. O amor incondicional deveria se sobrepor a tal questão, deveria impedir que um pensamento tão doloroso se manifestasse, mas o amor está em extinção, inclusive o que existe entre as famílias.
Se escolhem uma vida infeliz desenvolvem outros problemas, sentem-se sempre insuficientes, cansados, exaustos por concretizarem um projeto que não foi de sua autoria, para o qual nem mesmo palpitaram. Lá na frente, exauridos por viverem alheios a si mesmos, culpam os pais. Ou então, se insistem em viver a própria história, em se moldar à própria versão, ainda que estejam felizes, ainda que se sintam em sintonia com o mundo e com quem são, precisam também conviver com os julgamentos, com a culpa silenciosa de ter desapontado, de ter aborrecido quem, equivocadamente, “deixou tudo pronto”.
O amor incondicional que precisa existir dentro das famílias deve ser o gatilho para que a liberdade permita que cada um viva em seu melhor caminho, que cada um assuma a sua melhor e mais preciosa versão, que cada um transmita ao mundo a sua essência. Somos diferentes, não é porque compartilhamos do mesmo sangue que teremos os mesmos gostos, os mesmos trejeitos, a mesma maneira de pensar. E conviver em família implica exatamente nisso, que todos possam se aceitar acima de qualquer diferença, de qualquer desavença, que a diversidade do ser possa ser respeitada e consiga fortalecer um elo tão sagrado quanto o elo familiar.
As melhores famílias não são aquelas que nunca enfrentaram conflitos, que nunca experimentaram discordâncias, são aquelas que resolveram seus problemas permitindo que o outro subisse em seu próprio palco e explicasse o porquê de sua apresentação.
Uma realidade que muito me incomoda é ver o quanto questões tão pequenas e simplórias são capazes de destruírem famílias inteiras. Falta diálogo, falta compreensão, falta a consciência de que não estamos neste mundo para agradar aos outros, nem mesmo para que sejamos agradados a todo instante, mas para que agrademos a nós mesmos, que vivamos a nossa própria verdade, que sejamos realmente felizes nessa efêmera passagem pela frágil e instável vida. Frágil porque qualquer coisa pode tirá-la de nós, instável porque a qualquer momento pode mudar. Vamos desperdiçar essa oportunidade que temos de viver e fazer nascer o amor nos corações impondo o nosso jeito de pensar?
Para encerrar sobre o amor familiar, há uma verdade que percebo e que talvez você já tenha notado também. Em quantas famílias os pais não conhecem seus próprios filhos e o contrário também ocorre? Apenas sabem o nome, apenas chamam de pais ou filhos porque aprenderam a assim chamar, mas o sentimento de ser filho e de ser pai parece inexistente. Ou porque não se entendem, não se respeitam, ou porque não convivem, não experimentam a vida juntos. É muito fácil querer encontrar os errados da história, é muito fácil tentar responsabilizar apenas um por uma culpa que também é nossa. Ao invés de repetirmos aos quatro ventos que o outro não nos entende, talvez nós também não entendamos o outro. Olhe para dentro de você. Como tem experienciado o amor incondicional com seus familiares? Para o amor incondicional não é necessário que nos desvistamos de quem somos para nos moldarmos ao outro, basta que tenhamos a compreensão de que o outro é livre para escrever o próprio livro e que seremos gratos se pudermos ajudar a escrever capítulos agradavelmente inesquecíveis.
>> Unidos pelo Amor
Há quem considera os amigos uma extensão da família, alguns só conseguem fazer belos desabafos com seus melhores amigos, pessoas nas quais confiam segredos que jamais contariam nem para um familiar de sangue. E eu concordo com essa concepção. Já ouvi falar tantas vezes e repito que nossos amigos são a família do coração, uma família que não é unida por sangue, por DNA ou por documentos que oficializam as coisas, uma família que não depende de biologia ou de justiça para existir, é a família que nós escolhemos para que nos acompanhe em nossa jornada. O combustível para essa família, o que a mantém em pé, é o amor. Um amor que não é romântico, não faz cobranças, um amor que simplesmente surge com o tempo, vai se solidificando, ficando consistente e, quando nos damos conta, já não enxergamos nossas vidas sem aquelas pessoas que tão repente surgiram para que estejam ao nosso lado até o dia do nosso último suspiro.
No entanto, como o amor está em extinção, nos dias hodiernos o que tenho percebido ou até vivido é a falta de amor na amizade, é a falta de lealdade, de cumplicidade, de sinceridade e honestidade. É a falta de humildade, é o excesso de egoísmo e egocentrismo. Egoísmo porque queremos tudo para nós. Egocentrismo porque nos achamos o centro do mundo, os únicos merecedores de afeto e atenção. As pessoas querem amigos verdadeiros, mas não são verdadeiras, querem amigos eternos, mas não se fazem eternos, querem atenção e cuidado, mas não se atentam àqueles que estão ao seu redor nem cuidam das feridas daqueles que choram ao seu lado. Nessa cultura egoísta e mesquinha que temos cultivado, a amizade, esse sentimento que sobretudo depende de reciprocidade, simplesmente tem sido banalizada, descuidada, negligenciada, feita de pouca coisa já que há bilhões de pessoas no mundo e qualquer uma delas pode se tornar minha amiga.
Percebe a banalidade? Amizade é algo puro e intenso demais para que qualquer um se coloque na posição de nossos amigos. Somos simplórios demais ao não valorizarmos as pessoas que se dispõem a nos ouvir, a nos emprestar o ombro e a estenderem a mão quando muito precisamos. Acreditar que há uma infinidade de pessoas com as quais possamos nos envolver, leva-nos ao erro de depositar confiança em quem não é digno, em quem não tem nada de bom a oferecer. Confundimos amizade com coleguismo, mas, diferente do amigo, o colega estará ao seu lado apenas enquanto lhe convier, enquanto ele tirar algum proveito, mas no primeiro momento partirá e nos trará triste constatação. Amizade envolve confiança e confiança é um tesouro valioso demais para que o deixemos em qualquer lugar.
Ser amigo não é apenas ser, mas estar. Estar amigo é oferecer conforto, é conceder atenção, é permitir que o outro exponha seus anseios, seus receios, é oferecer os ouvidos para ouvir, ouvir de verdade, pronto para falar quando possível ou silenciar quando necessário, mas sempre oferecendo companhia e zelo. As pessoas não querem ser amigas, não querem estar amigas, querem apenas ter. Ter é bom demais, o ser humano possui a tendência de quanto mais tem mais querer ter, e não há problema em desejar, a infelicidade está no gesto individualista daqueles que querem estar rodeados por bajuladores, que querem ter infinitas amizades, mas que em seus comportamentos deixam claro: “não conte comigo quando precisar”. Querem amigos, exigem isso, mas não passam de colegas.
Outro ponto. Um bajulador não é seu amigo. Desconfie daqueles que só te elogiam, que tudo o que você faz está bom, que sua existência é mais do que primorosa, que você é um exemplo que a humanidade precisa seguir. Quem age assim tem interesses por trás, insignificantes talvez, perigosos quem sabe, mas não estão sendo sinceros. Somos humanos. E parte do ser humano é ser imperfeito. Não tenha por inimigas as pessoas que o criticam quando precisam criticar, mas que sempre oferecem um conselho para sua melhora, que sempre o elogiam no momento oportuno, quando lhe mostram quando você estiver errado, mas que estarão lá para o aplaudir quando você acertar. Isso é amizade. Essa é a família do coração. Quando um zela pelo outro, cuida do outro, e cuidar não quer dizer passar a mão na cabeça, é servir de apoio em todos os momentos.
As pessoas estão se dirigindo a uma vida solitária, não no bom sentido, no de aproveitar alguns minutos para se conectar consigo mesmo, mas por exigirem tanto e doarem tão pouco estão se afastando umas das outras, estão se isolando umas das outras, acreditando que não vale a pena viver uma história com alguém, que não faz sentido dar importância às relações. Aqueles que exigem muito nunca se dão por satisfeitos. Aqueles que em muito são exigidos uma hora se cansam de serem insuficientes. Lembra-se do amor incondicional que deve imperar em nossos relacionamentos familiares? Não estamos falando nesse momento da família do coração? Esse amor tão nobre entra aqui também, mas, cuidado incondicional não quer dizer banal, ninguém o amará seja da forma que for se você retribui esse amor com desdém ou descuido, para funcionar a incondicionalidade deve existir dos dois lados. Ela quer dizer que eu o aceito como você é e sou aceito por você como sou e, assim, nessa aceitação mútua, vamos fortalecendo, construindo e vivendo nossas muitas relações.
>> Simplesmente Amor
Essa forma de amor da qual agora falaremos me chama muito a atenção e me emociona quando vejo gestos dele serem exibidos ao redor do mundo. É um amor profundamente incondicional, que não depende de absolutamente nada a não ser do sentimento de humanidade que deve haver em nossas almas. É um amor puro em essência, talvez seja o amor apregoado por tantas religiões sem que ninguém o compreendesse de fato, sem que ninguém o entendesse em seu imenso significado. É um amor que é simplesmente isso, amor.
O amor fraterno. O amor da caridade. O amor da solidariedade. Aquele amor que dá sem receber, que dá sem esperar receber. Um amor que também está em extinção.
Aquela força que nos motiva a fazer doações, a sair pelas avenidas oferecendo comida para nossos semelhantes que se encontram em situação de rua, a juntar o maior número possível de pessoas para levantar fundos para uma instituição ou construir a casa de alguém que tanto precisa, essa força que brota dentro de nós quando vemos a necessidade de alguém e nos dispomos a ajudar de alguma forma é o amor fraterno, esse amor que simplesmente existe, nasce, sem que nada o force a nascer, sem que nenhum interesse se sobreponha a ele a não ser o de ajudar, de ver o sorriso no rosto do outro e se sentir bem por estar ofertando o bem. É o amor que mais se aproxima do significado de altruísmo, é um amor que concedemos a quem não tem nada a nos dar, a quem também nem ao menos conhecemos e que possivelmente depois do nosso gesto desaparecerá de nossos caminhos, é o amor que nos faz nos sentir humanos, é o amor que reúne a humanidade em uma só corrente: gentileza, solidariedade, fraternidade.
É bonito falar sobre ele, é bonito escrever sobre ele, é bonito imaginá-lo permeando nossos dias, mas seria ainda mais bonito se ele fosse posto em prática, saísse do campo das palavras, dos discursos bem preparados e se manifestasse em gestos concretos e humanos. Algumas pessoas possuem esse amor dentro de si e sentem o peito arder quando não tem nada que possam fazer para ajudar, mas muitas pessoas pouco se importam com esse tipo de amor, aliás, se não receberão nada em troca, para quê ofertá-lo? É o que pensam. E nos últimos dias temos visto o quanto esse amor tem se tornado inexistente. Legitimam a maldade em seus discursos, são frios e desprezíveis ao desejarem a morte daqueles que pensam de forma diferente, são igualmente calculistas e cruéis quando culpam os outros por seus aparentes fracassos sem nem ao menos procurarem conhecer a história daqueles que julgam.
A ausência desse amor tem motivado a guerra, no passado matou milhões de judeus, e no presente continua matando milhões de pessoas. A ausência desse amor colocou a economia sobre qualquer aspecto humano, faz as pessoas brigarem por dinheiro como os animais que, em seu instinto selvagem, brigam por um pedaço de carne. Não éramos nós a espécie racional? A deficiência desse amor deu força aos preconceitos, as pessoas são feridas ou mortas sem nem abrirem a boca, apenas são julgadas e condenadas sem o direito de se defenderem. Morrem por serem quem são. Sofrem a dor de estarem no corpo que possuem. A inexistência do amor humano tem causado polarizações numa sociedade que se divide entre os bons e os maus, uma sociedade que não percebe que estamos todos no mesmo barco e que é mais do que urgente que aprendamos a conviver em harmonia, respeito e consideração para que o sistema opressor não continue disseminando sua violência estrutural, aquela incentivada por quem deveria promover a paz, fazendo vítimas e legitimando o exercício do mal. Ou será que ninguém percebe que para alguns poucos que detém o poder nas mãos não é mais do que oportuno manter a sociedade nessa guerra que não levará ninguém a lugar algum a não ser quem já tem bastante?
Mais do que sonhar com um mundo no qual “sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”, como pontuou Rosa Luxemburgo, ou um mundo no qual todas as pessoas viveriam em paz compartilhando-o, como cantou John Lennon, precisamos construir esse mundo. Precisamos alimentar o amor fraterno que, mais do que os outros, está em um processo de extinção massivo. As pessoas não se entendem, não se compreendem, sendo fracas brigam pelos fortes, nada tendo brigam por aqueles que querem ter cada vez mais. A mão estendida se encolheu, o ombro amigo se retraiu e as palavras de consolo deram lugar ao ódio que já não escondem mais.
Além disso, desse cenário de guerra que assistimos assustados o desastre que tem causado, há aqueles que forçam uma caridade inexistente apenas para acariciar suas vaidades quando, montados em seu prepotente ego, fazem uma boa ação para que as câmeras registrem. São pobres de espírito. Talvez tenham muito na dimensão material, mas espiritualmente estão tão vazias que já não veem sentido na vida a não ser o de se exibirem, de se promoverem, de serem tidos como benfeitores enquanto não passam de oportunistas. Escondam as câmeras! Proíbam as plateias! Não pasmem se as boas ações desaparecerem.
>> O Sonho de Todo Humano
Por fim, depois de muito falarmos sobre o amor, ou dos amores, vamos encerrar nossa reflexão pensando nele que é o mais conhecido e trabalhado dos outros, o que inspirou poemas tocantes, músicas envolventes, danças intensas, histórias incansavelmente repetidas e recontadas. Aquele que enfeita álbuns de casamentos, que faz as pessoas terem uma caixinha de cartas, ou de papéis de balas. Aquele que arranca suspiros, lágrimas, sorrisos e ardências. Aquele com o qual muitos de nós, para não falar todos, sonham em viver.
É o amor romântico. Aquele que une romântica, sentimental e intensamente pessoas que, em um momento qualquer, se descobrem apaixonadas e envoltas num relacionamento que parece eterno. Tanto parece eterno que as juras de amor não focam nos dez anos seguintes, são feitos com a expressão “para sempre” encerrando cada diálogo. Tudo bem que o para sempre não existe, não estaremos nesse mundo pela eternidade para amar a quem nos dispusemos a amar, porém o para sempre traz consigo a ideia do ponto final da existência humana, inconscientes ou conscientes sobre o que dizem, as pessoas prometem se amar até essa linha de chegada, esse é o nosso para sempre, é o maior tempo possível que as coisas aguentam suportar. No entanto, os anos passam, e o que era para sempre não resiste mais a cinco anos, não resiste mais às dificuldades, o que antes fortalecia agora mina as forças, o que antes era o combustível da vida agora se torna motivo para tristezas amargas e sofredoras. O que estamos fazendo com esse amor? Seria ele apenas dramatúrgico? Estaria presente apenas nas páginas de um livro que nos leva a sonhos agradáveis? Ele existe, sim, ele está aí para quem quiser vivê-lo, mas também se encontra em extinção, tem sido mais uma vítima do egoísmo e do desinteresse humanos.
As pessoas acham que amar alguém é como nos filmes que, durante todo o enredo, o casal protagonista sofre com as investidas da vida, mas no final se beijam e são envoltos pela luz cinematográfica que remete à ideia do para sempre. Na vida real as dificuldades existirão até o nosso último momento, e só o amor verdadeiro consegue rompê-las para sobreviver. Na vida real amar envolve tantas outras ações, ações para as quais as pessoas se sentem cansadas, exauridas, desinteressadas, desmotivadas, querem o final feliz, mas não se ocupam em escrevê-lo.
Amar não é dizer eu te amo, embora para algumas pessoas seja difícil, isso é relativamente fácil de falar, são apenas três minúsculas palavras, mas o eu te amo verdadeiro se manifesta nas ações que objetivam manter esse amor vivo, aceso, mais forte e poderoso que qualquer obstáculo. Amar envolve compreender, aceitar, adaptar-se, compreender que além do nosso há o mundo do outro.
Quem ama compreende. Quem ama compreende as palavras do outro, as vontades do outro, os sonhos do outro e nunca minimiza a existência do outro. Se precisar enxugar lágrimas, lá estará. Se precisar promover gargalhadas, também lá estará. Quem compreende nunca diminui a dor do outro, não a tem por drama, mesmo que seja uma dorzinha na ponta do dedo, quem ama se dispõe a cuidar dela.
Quem ama aceita que o outro tenha seu próprio molde, sua própria forma, seu próprio jeito de funcionar e não tenta enquadrar o amado em sua caixinha tão limitada e simplista para o formato extraordinário que o outro possui. Isso porque cada um de nós detém uma essência fantástica, mas ela é única, ímpar, cada um tem a sua, todas são grandiosas ao ponto de não caberem em frascos que não os seus. Quem ama aceita o outro como ele é, com suas qualidades e defeitos, com cada uma de suas pequenas características, quem ama aprende a reconhecer o outro até mesmo no escuro.
Quem ama se adapta. Isso mesmo. Quem ama não se molda ao outro, não se transforma para ser suficiente para o outro, não deixa a própria essência para agora exalar a essência do outro, isso é impossível. Mas aprende a se adaptar ao outro. Aprende os gostos do outro, aprende as preferências do outro, aprende que às vezes será necessário ceder a um passeio no parque com o outro, ou então que precisará aprender um jogo de videogame porque isso faz parte de quem o outro é e é importante para ele. Quem ama se adapta no sentido de saber que seu próprio “Eu” precisará ser diminuído para que os dois “Eus” coexistam e se fundam num só.
Tudo isso nos leva ao grande segredo do amor romântico: entender, literalmente, que além do nosso umbigo há o do outro. Sim, como nós possuímos o nosso universo o outro também possui o seu. Como nós temos os nossos objetivos o outro também possui os seus. Como nós temos os nossos interesses o outro também possui as coisas que o fazem feliz e a gente precisa entender isso, precisa entender que para um relacionamento persistir e vencer o tempo, é necessário que sejamos todos respeitados em nossas particularidades, em nossas vontades, em nossas conquistas. Quem ama, por mais que considere pequena a conquista do outro, sabe que para ele ela é imensa e importante, e. então, estará lá para aplaudi-la porque o amor não depende de coisas grandiosas para sobreviver, não depende de esforços extraordinários, ele se mostra e se comprova nos pequenos gestos, nas sutis demonstrações, nas mais delicadas maneiras de anunciá-lo.
Esse amor tão inspirador tem se extinguido velozmente. Casais que antes pareciam inseparáveis passam a não se suportar, palavras que juravam um amor eterno e denunciavam a idealização de um futuro apaixonado são simplesmente jogadas no lixo como se tivessem sido ditas apenas em um momento de torpor. Isso porque, insisto, o egoísmo leva o ser humano a querer ser amado constantemente e a amar o menos possível. Mas não é assim que funciona. Precisa haver reciprocidade, mutualidade, precisa haver a consciência de que o amor é uma construção constante que necessita de manutenção enquanto estivermos dispostos por fazê-lo durar. O amor é fortalecido em conjunto, não pode depender de apenas um, precisa existir em todos os lados que se dispuseram à sua nobreza tão banalizada. A gente precisa reaprender a amar.
Como precisamos aprender a ser dignos de sermos amados.
Sim, precisamos alcançar a dignidade do amor, de qualquer amor. Em um dos meus escritos falei algo parecido, as pessoas que só querem para si o amor das outras não sabem o que é o amor, não sabem amar, consequentemente, por não entenderam nada sobre algo tão sublimemente humano, não são dignas de serem amadas. Não porque são pessoas monstruosas, horripilantes, mas se não entendem que assim como elas necessitam de amor todas as outras pessoas também necessitam, não podem se render a um sentimento tão poderoso, ficarão cheias enquanto deixarão alguém vazio, sugarão algo que mantém a vida em seu sentido. Então, que aprendamos a amar, que façamos o necessário para combatermos esse desejo de termos tudo sem dar nada, o amor está em extinção, tem se acabado nos diferentes contextos, precisamos evitar a tragédia porque quando o amor acabar, acabará também nosso senso de humanidade.
(Artigo produzido por @Amilton.Jnior)