Relato: sonho da Elefanta rosa
Sonhei com uma história curiosa que me deixou triste. Eu estava na sala de casa, me arrumava para ir a algum lugar. Lembro de ver minha imagem no espelho da sala, vestia uma saia azul escura que tenho e uma camisa branca com a imagem de uma mulher com uma bandana amarela no cabelo. Eu realmente tive essa camisa, mas não lembro que fim levou.
Pois bem, estava na sala. Pelo espelho, vi o reflexo do que se passava na televisão. Minha irmã assistia a um filme. Era um menino preto e pobre com uma mãe também preta e pobre. A paisagem onde estavam era seca, como se as folhas tivessem secado e não tinha árvores. Ele tinha um bicho de estimação que se assemelhava a um elefante cor de rosa e pequeno. Mas ao contrário dos outros paquidermes, a Elefanta (era assim que o menino a chamava) parecia ter a carne macia quando o menino a tocava. Lembro de ouvir a mãe pedindo para o filho ir à cidade tentar pedir pão para eles comerem. Só por isso comecei a prestar atenção no que se passava na TV através do reflexo no espelho, sem nunca deixar de encarar minha própria imagem. A criança, esperta do jeito que era, deu uma piscadela para a Elefanta e montando nela disse à mãe: "pode deixar, eu vou lá na cidade pedir pão. Talvez eu me perca, talvez tentem me roubar, mas eu prometo que volto amanhã de manhã." A mãe, desesperada pela possibilidade de perder o filho, fala: "não precisa mais ir. Daremos um jeito por aqui mesmo. Mas você também não ajuda, filho... ainda foi arranjar esse bicho que come muito e nem sequer dá algo útil, como leite. Precisamos sair daqui ou vamos morrer de fome."
Ao ouvir isso, o menino desceu da Elefanta rosa, triste, acariciando sua amiga que também estava triste após ouvir que era inútil, uma boca a mais para alimentar. Nesse momento, eu não conseguia mais me olhar no espelho, pois estava chorando muito. Meu rosto estava vermelho e eu tentava segurar as lágrimas, pois entendia a dor da Elefanta em sentir-se assim, mas não queria que minha irmã me visse chorar.
Pelo espelho, vi o menino ajoelhar-se acariciando a perna da Elefanta. E dizia: "chegou a hora, chegou a hora... sinto muito." Ele tinha uma faca enorme nas mãos. A Elefanta, ao ver isso, não ofereceu resistência. Ela deitou-se no chão, para a surpresa da mãe preta, e olhava com doçura para o menino, com toda a doçura que é possível aos olhos pequenos de um elefante também pequeno. Como se estivesse consciente de que esse momento chegaria, ela passava a tromba na cabeça do menino, que chorava, para lhe dar forças. Ele tremia e a mãe saiu de perto para não ver a cena do sacrifício. Era algo íntimo demais para ser visto e lá estava eu e minha irmã, ambas chorando, sentindo o temor que a Elefanta deveria estar sentindo. Eu continuava a ver pelo espelho e agora via a televisão e minha imagem. Minha roupa estava toda molhada com minhas lágrimas.
O menino preto ergueu a faca aos prantos e o sangue começou a espirrar. Eu não tinha mais coragem de olhar os olhos do animal, só via o sangue espirrando, os gritos do menino e depois aparecendo a mãe e o menino chegando numa cidade movimentada, diferente da paisagem que mais parecia um campo de trigo no início. Eles levavam muita carne envolta em sacos. Conseguiram vender muito caro o que não comeram, pois era uma "carne macia e de qualidade", como eles mesmos falavam quando ofereciam-na. Horrizada, eu olhei novamente minha imagem no espelho e dizia a minha irmã que ainda estava chorando "eu entendi ele, Lorena. Entendo o que a fome faz com a gente. Mas não era pra tanto, ela era amiga dele... não sei se eu conseguiria morrer de fome ao lado da minha amiga, mas não era pra tanto..."
Acordei com um aperto no peito e uma vontade de chorar.