Do dogmatismo moderno

Uma coisa que todo filósofo ou cientista custa a entender é que seus postulados fundamentais, seus "fatos", sua lógica e sistematização da vida líquida em vida concreta, estejam condicionados pelo devir. Eles pensam que suas verdades sejam as verdades últimas, o substrato do cosmo, e fielmente sustentam suas múmias conceituais como se fossem "leis da natureza" em si. Eles supõem que por baixo da imagem móvel do mundo exista outro mundo perfeito, acabado, imutável. Mas fomos nós que criamos a lógica, para poder pensar, esquematizar o caos das impressões e o perene escoar da matéria, compreender, conviver; suas leis estão em constante transmutação, assim como hoje já não cremos em outras leis que em tempos antigos eram o objeto da vontade de verdade. Eles creem na verdade como uma coisa que se possa encontrar, pensar, tocar. É uma bela ilusão que já não almeijo mais. A verdade, para nós, livres espíritos, tornou-se uma mistura de sonho e realidade. Não conseguimos separar a fantasia do real. Verdade: eis uma metáfora para graus elevados de poder. Quanto maior a nitidez e energia de uma ideia, tanto mais a reconhecemos como verdade. Não é aqui, como se pensam os teóricos, a lógica o critério da verdade, e sim, a sensação, o prazer ou desprazer que ela inspira.

Eu busquei o solo no qual brotaram os conceitos mais rígidos da humanidade, e o que encontrei foi o corpo criador, não a verdade da qual eles tanto se orgulham. Eles ainda pensam de maneira rudimentar, dualizando a realidade em "verdadeiro" e "falso"; se esqueceram que a razão serve aos sentidos, e muda de acordo com as exigências do corpo e da época.

Estamos no rio. Tudo é passamento. Não há solo que possamos tocar. O tempo lienar se foi, não há mais ontem, nem início e fim - tudo é meio. A busca pela verdade como antigamente a conhecíamos tornou-se uma fábula entre nós, espíritos livres. Vemos de uma nova perspectiva, não separamos mais o pesado do leve, nem a ilusão da realidade. Somos artistas, porém, temos um olhar científico. Eis aqui nossa maneira de ver: somos poder, graus de forças que se elevam e declinam num embate pela supremacia, tanto dentro como fora de nós.

A luta é, desde toda a eternidade, o "princípio" móvel de todas as coisas.

- A verdade é o poder que conferimos às nossas ideias sobre a vida, e não a verdade sobre a vida. A parte não pode apreender o todo. É a vida mesmo que em nós, psicofisiologicamente, nos força a criar valores, verdades. Viver é ser co-criador de mundos.

E o que estamos fazendo? Sentados sob nossa teia de aranha conceitual de valores eternos enquanto descemos o rio em direção ao oceano cósmico. A vida carece de sonhares, criadores...

Fiódor
Enviado por Fiódor em 03/02/2021
Reeditado em 03/02/2021
Código do texto: T7175518
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