A Humanidade

Ao longo da história, dos anos, dos séculos e até milênios, a humanidade sempre mostrou duas faces. Fomos capazes de atrocidades impensáveis desde que existimos. Escravizamos pessoas, matamos em nome de religiões, torturamos pela honra à pátria, mandamos aos campos de concentração por questões racistas, ideológicas, de discriminação. Um dia fomos tão horríveis quanto os maiores vilões do cinema ou quanto os piores seres descritos por pensamentos religiosos. Isso no sentido coletivo. No sentido individual também podemos ser tão horripilantes na forma como tratamos pessoas que dizemos amar e na maneira como nos comportamos com pessoas que nunca vimos, mas que por uma palavrinha mal colocada se torna nossa pior rival digna de ser aniquilada. Fomos horríveis. As razões podem ser muitas. Mas uma precisa ser destacada: fizeram-nos horríveis.

Crianças não matam, crianças não têm preconceito, crianças não o veem como um inimigo em potencial. Crianças sorriem para qualquer um em qualquer lugar. Na maioria das vezes, as crianças pulam ao colo de quem lhes estende os braços tendo na face um sorriso gentil. Nós fomos crianças um dia e enxergamos no outro apenas uma coisa: “ele é como eu”. Mas essas crianças vão crescendo e aprendendo com adultos corrompidos que o outro pode ser uma ameaça, que o outro não deve ser visto, que o outro não deve ser respeitado em seu direito de existir por inúmeras razões irracionais. Esse aprendizado nem sempre ocorre de forma direta, aberta, é passado através de comportamentos que parecem inofensivos, brincadeiras que parecem bobas, mas que são poderosas o bastante para romper aquela ingenuidade tão agradável que nos permitia ter o desejo de conhecer as pessoas sem qualquer obstáculo entre nós e elas.

E ao perdermos essa inocência, essa boa vontade de enxergar o outro e apenas o outro, tornamo-nos vulneráveis às atrocidades que cometemos ao longo da história. Mas temos solução. “O homem é naturalmente bom, a sociedade o corrompe”. Foi Rousseau quem disse isso. E Nelson Mandela também pontuou que não nascemos odiando, aprendemos isso, e se aprendemos o ódio podemos aprender sobre o amor. Você está disposto a aprender sobre o amor? A desprezar tudo aquilo que lhe ensinaram, que incutiram em sua mente, e ser livre para contemplar a essência do outro? Para ouvir a voz do outro? Para descobrir que o outro, assim como você, têm sonhos e projetos e merece ser feliz? Não é fácil largar esse egoísmo que é alimentado em nós todos os dias por discursos que segregam, que apavoram, que causam medo e que tentam incentivar o nojo. Como podemos sentir repulsa pelos nossos semelhantes? Mas é possível nos libertarmos dessas prisões que nos impedem de amar e sermos amados.

Penso que pode não ser a sociedade que corrompa o homem, porque ela está corrompida desde que nascemos e essa corrupção é nutrida por um sistema que vê no ódio e na separação o combustível para sua força. Um sistema que oprime até mesmo aqueles que pensam estar do lado certo. Mas qual é o lado certo? Como dizer qual é o lado certo? Quais são as características do lado certo? Arrisco dizer que só existe um lado certo: o humano. E quando finalmente entendermos isso abriremos nossos olhos para as injustiças, para as impiedades, para as barbaridades que são cometidas em nome de uma ordem que só desorganiza, em nome de uma moral que só desmoraliza, em nome de um costume que só faz oprimidos fortalecerem a própria opressão. Que possamos despertar para a humanidade que sempre existiu dentro de nós, que um dia foi adormecida, mas que pode ser despertada.

(Texto de @Amilton.Jnior)