O vício de bloquear
Nós não nos ouvimos. Leandro Karnal, certa vez, em seu livro Todos Contra Todos, falou um pouco sobre isso. Por exemplo, quando falamos para alguém que estamos com dor de dente, a pessoa já tem uma história pronta para contar de quando era criança, tropeçou enquanto corria e quebrou a boca. Assim nunca ouvimos uns aos outros. Queremos sempre falar de nós mesmos, comparamos nossas dores, chegamos a competir para ver quem sofre mais, de maneira que nunca conhecemos de verdade a outra pessoa, não sabemos o que ela pensa de fato, no que ela acredita, qual é a sua história, quais foram as experiências que a trouxeram até o momento presente e ajudaram ser quem é hoje. E, então, quando ouvimos o que não gostamos, nós bloqueamos.
Virou moda. Não gosto de você, então o bloqueio. Não concordei com o seu discurso? Está bloqueado! Na sensibilidade do meu ego exaltado você me ofendeu? Amanhã minha foto de perfil estará vazia para você. É isso. Como a tempestade despenca do céu, nós bloqueamos as pessoas virtualmente como e quando bem entendemos, sem nem dar a elas a oportunidade de se desculparem ou explicarem. E o pior é que achamos que o bloqueio vale para o mundo físico. Encontramo-nos na rua, mas é como se estivéssemos invisíveis. Tudo porque não sabemos tolerar o diferente ou porque não admitimos que as pessoas se oponham a nós da forma mais simples que seja. Simplesmente bloqueamos, sem nem ouvir o que a outra pessoa tem a dizer.
É caro ouvirmo-nos uns aos outros? É tão torturante assim sentarmos um pouco, olharmos no olho do outro e permitir que ele se expresse sabendo que está sendo escutado em sua fala? Mas escutado de verdade. Não existe coisa pior do que tentar conversar com alguém e a pessoa vir cheia de armamentos e armaduras, a cada palavra que você pronuncia um tiro lhe é dirigido seja por um olhar que arrepia ou mesmo por palavras que o interrompem. E de novo. As pessoas querem ser ouvidas, querem falar livremente, mas parecem ocupadas demais para concederem atenção aos outros. E então bloqueiam aqueles que só precisavam ser compreendidos.
Podemos errar em nossas palavras, podemos cometer equívocos através de ações que poderiam ser entendidas e perdoadas, todos estamos suscetíveis aos erros, mas parece que muitos de nós se engrandeceram demais em sua própria soberba e não admitem esse tipo de coisa esquecendo-se de que um dia também não conseguirão se expressar da melhor forma e terão que convencer as pessoas de sua inocência. E, então, verão o quanto dói ser bloqueado, cancelado, ou seja lá a forma como nomeamos isso... É claro, há atitudes intoleráveis, há pessoas que perderam completamente o senso e machucam as outras de maneiras profundas demais, mas há muito mais pessoas tentando acertar e que por isso cometem algumas falhas. Vamos nos permitir à melhora de cada dia? Vamos permitir ao outro que também evolua? Vamos nos ajudar nessa empreitada?
(Texto de @Amilton.Jnior)