Grande "reset" mundial

A origem etimológica do termo entre aspas é "refazer", "começar de novo", "restaurar". O verbo resetar, portanto, designa a condição na qual existe a necessidade de, sob critérios específicos, dar nova forma a alguma coisa ou, mais precisamente, trazer tal coisa à sua forma original. No entanto, no âmbito de um reset mundial, isto é, de uma nova forma do sistema do mundo, o intento não é restaurar as condições existenciais do indivíduo na sociedade, mas reforçar o panorama de supressão de sua liberdade já entrevisto no contexto atual. Ao analisar a vivência da sociedade através de um prisma histórico, é possível perceber uma disparidade interessante: o progresso material da sociedade não acompanha a afirmação da liberdade do indivíduo. Na verdade, acontece exatamente o contrário.

Na Idade Média, no contexto do Feudalismo, por exemplo, os meios efetivos através dos quais o indivíduo poderia afirmar a sua liberdade, exigir a validação dos seus direitos em face também dos direitos do senhor feudal, era, comparado ao contexto atual, imensamente maior. O senhor feudal dispunha de algumas dezenas de soldados que, não obstante, eram camponeses que cultivavam suas porções de terra dentro dos limites do próprio território feudal e, portanto, se defendessem o feudo, defenderiam seu meio de subsistência também, mas, contra o membros deste mesmo feudo, o nobre não dispunha de meios efetivos de coerção. Num contraste trágico, hoje, os indivíduos que vivem como servos das "glebas" multinacionais nos grandes centros urbanos, são facilmente doutrinados pelo panorama dos valores dos novos e imensamente poderosos senhores feudais.

Os tais senhores feudais contemporâneos detêm, na verdade, um poder que está muito para além dos limites da imaginação dos seus pares do passado. Na realidade da condição humana vivenciada entre os séculos X e XIII, na Alta Idade Média, ao contrário do que a propaganda revolucionária apregoa desde, pelo menos, o século XVIII, a experiência da efetiva liberdade era uma realidade. Se um nobre decidisse agir com tirania, infringindo o contrato de terras estabelecido entre si e os camponeses, como faria para assegurar sua autoridade? Disporia seus soldados contra os membros do feudo? Como, se estes mesmos eram os membros do feudo? Se esta situação, num momento de crise, ganhasse forma na realidade, só uma força resistiria: a revolta do povo. Sem os meios tecnológicos de coerção efetiva, o senhor feudal se veria num embate tête-à-tête com o seu povo encolerizado. Seriam espadas e escudos contra foices, machados, paus e pedras.

Hoje, com a abundância de novos e cada vez mais sofisticados meios de controle das massas, é fácil perceber que aqueles que exercem o poder, o fazem desde os píncaros de uma tecnocracia tirana. A experiência das redes sociais, as funções cada vez mais invasivas dos aplicativos, o monitoramento constante das pessoas nas zonas urbanas, o enviesamento dos noticiários da grande mídia são alguns exemplos do poder dos senhores feudais da atualidade. Estes, aliás, se arrogam o direito, inclusive, de decidir se um ser humano deve ou não viver: a campanha global pró-aborto é a prática, forçada, do corpo de valores e crenças desses senhores. O desejo da morte dos bebês no ventre de suas mães é mais uma mostra da disparidade, da desarmonia entre os valores na sociedade.

Na Idade Média e, mais precisamente, antes do advento do Estado Moderno, o mesmo corpo de valores, crenças e doutrinas religiosas observados pelos governantes era também observado pelos membros do povo. O conflito de cosmovisões era, no geral, inexistente e, quando surgia num contexto restrito, permanecia aí, fora do campo de visão dos elementos protagonistas da sociedade. Hoje, não mais. A religião dos governantes se tornou esotérica para o povo, implicando, portanto, no surgimento de uma série de conflitos de valores. Basta constatar a simpatia dos líderes atuais pelo aborto, pela liberação das drogas e pela união homossexual, por exemplo. A sociedade atual caminha para um desfecho no qual o enredo oficial será a narrativa dos detentores do poder máximo. Um contexto no qual a liberdade do indivíduo como a conhecemos não mais existirá e tudo o que será seu por direito será o dever de pedir permissão.

Vitor Marcolin
Enviado por Vitor Marcolin em 20/12/2020
Reeditado em 20/12/2020
Código do texto: T7140125
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